Você certamente já experimentou situações em que desejou mais um pedaço de chocolate e que a boa série de TV que você estava vendo nunca terminasse. Esse “querer mais” vale para tudo que tenha potencial para viciar. Não estou falando de drogas ilícitas. A lista de comportamentos e substâncias do cotidiano – todas potencialmente viciantes – é talvez infinita: chocolates, café, compras, sexo, redes sociais, pornografia, apostas, etc. O uso compulsivo de alguma “droga de escolha” (fácil de obter) pode levar à dependência. É o efeito dopamina. Quanto mais dopamina, mais viciante é a experiência.

O QUE É DOPAMINA?
Nos anos 1980, pesquisadores de Cambridge demonstraram que a dopamina (descoberta em 1957) tinha a ver com as recompensas que recebemos por nossas ações (desejos, ambições, libido e vícios). Se o prazer é alcançado, a ação que o gerou tende a virar um hábito. Teu organismo então passa a exigir prazeres cada vez mais complicadas de se obter.
A dopamina é um dos vinte principais neurotransmissores que transportam mensagens urgentes entre os neurônios, nervos e células; garantem que nossos corações batam, que nossos pulmões respirem e, no caso da dopamina, que sejamos capazes de tomar água quando temos sede, de comer quando temos fome e de querer fazer sexo quando ficamos excitados.
BALANÇA DUAL
A relação entre a dopamina e os nossos comportamentos lembra uma balança. Às vezes o peso da balança está no lado do prazer, às vezes está no lado do sofrimento. Prazer e sofrimento são indissociáveis, nesse caso. A exposição ao mesmo estímulo (chocolates, por exemplo) faz a balança pender inicialmente para o lado do prazer, mas, com a repetição contínua, a resposta irá para o lado do sofrimento: você engorda, as calças não abotoam, etc. Mesmo assim, não para de comê-los.
O prazer pode levar à compulsão, que, por sua vez, pode levar ao vício. O vício é uma forma de sofrimento, e o sofrimento é tanto causa quanto consequência de algum transtorno psíquico. Daí você busca ajuda. O psiquiatra te prescreve benzondiazepínicos para compensar os chocolates que você vinha comendo para lidar com a ansiedade. Então, é como trocar uma dependência por outra, porque esse tipo de medicamento sedativo é viciante também.
DESGOSTO E BIOLOGIA
O uso prolongado de drogas (estímulos) cada vez mais fortes e em maior quantidade faz com que o equilíbrio entre o prazer e o sofrimento acabe pesando para o lado do sofrimento. Atinge-se o ponto em que o prazer desaparece. Você não sente mais prazer durante o sexo; não sente mais aquele relaxamento que os drinks antes te propiciavam; não sente mais a excitação de superar as etapas cada vez mais desafiadoras de um videogame.

Cada pessoa tem sua “droga de escolha”, seja ela Netflix ou cigarros eletrônicos, mas quem tem transtornos psiquiátricos (ansiedade, depressão, déficit de atenção e outros) é mais vulnerável à dependência. O transtorno mental leva ao uso compulsivo de “substâncias/ações prazerosas”, que causam ou revelam o transtorno. Outros fatores importantes: o acesso fácil à “droga”; e ter pai, mãe ou avós adictos (mesmo se você foi criado longe dessas pessoas) elava o risco de dependência.
HOMEOSTASE E ABSTINÊNCIA
Pode parecer estranho, mas quando estamos consumindo recompensas de alta dopamina, perdemos também a capacidade de extrair alegria de prazeres comuns. Reverter isso não é fácil. Para restaurar a homeostase (o processo de regulação que mantém o organismo em equilíbrio), é preciso abstinência por pelo menos quatro semanas, providência que envolve dor e desconforto.
Além disso, o contexto não ajuda. Somos bombardeados por mensagens que nos incitam a buscar prazer e bem-estar o tempo todo. Se formos capazes de suportar a espera, o cérebro se readapta à ausência da “droga”, o que talvez possibilite restabelecer a homeostase. Se a balança estiver nivelada, podemos ser novamente capazes de obter prazer das recompensas simples e cotidianas: sair para uma caminhada, observar o sol nascer e aproveitar a companhia de amigos.
PRIMEIRAS SEMANAS
A maioria de nós não consegue ver toda a extensão das consequências do uso das nossas drogas de escolha, enquanto ainda as estamos usando. Substâncias e comportamentos de alta dopamina turvam nossa capacidade de avaliar com precisão as causas e os efeitos. Mas chega o momento em que as desvantagens do uso superam as vantagens. Percebi isso após um mês de abstinência de vinho e KitKat. Meu corpo tinha mais energia, a digestão melhorou e o sono era mais reparador.
“Se conseguir atravessar as duas primeiras semanas [de abstinência], existe uma boa chance de que nas duas semanas seguintes você começará a se sentir melhor”, escreve Anna Lembke em seu livro “Nação Dopamina”. Qualquer droga que estimule nosso circuito de recompensa, da maneira como faz, por exemplo, a maconha, tem potencial para alterar o patamar de ansiedade no cérebro. Em vez de tratar a ansiedade com cannabis, você entende que a cannabis apenas alivia a vontade.

PARAR DE FUGIR
O período de abstinência necessário varia de droga para droga. Pode ser menor para algumas drogas, como videogames, mas potencialmente um risco de vida para outras, como opioides e calmantes. Trocar uma droga por outra não é uma estratégia efetiva no longo prazo, segundo Lembke. Qualquer recompensa que seja potente o suficiente para inclinar a balança para o lado do prazer pode ser, por si mesma, viciante.
Geralmente, a gente usa substâncias e adota comportamentos de alta dopamina para nos distrairmos de emoções negativas. Quando você abandona a dopamina como via de fuga, as emoções e sensações dolorosas te atingem com toda força: “O truque é parar de fugir das emoções dolorosas e, em vez disso, se permitir tolerá-las. Quando conseguimos fazer isso, nossa experiência assume uma textura nova. A dor continua lá, mas, de certo modo, transformada”.
VOCÊ É DEPENDENTE?
Como saber se você está viciado? Se estes cinco critérios se aplicarem ao teu comportamento no arco de um ano, o distúrbio está presente e não se trata mais de “simples comportamento excessivo”, mas sim de dependência.
- perda de controle: apesar de querer parar de usar a coisa, você não consegue;
- comportamento compulsivo: você pensa/age automaticamente para dar um jeito de obter a coisa;
- o desejo de obter a coisa é intenso e irrefreável; você fica obcecado pela ideia de obtê-la;
- persistência na continuidade do uso, contra todas as evidências racionais em contrário;
- consciência dos efeitos nocivos que a coisa pode causar em você e talvez nos outros.