Fui ansioso, clinicamente falando. A insônia era o sintoma principal, e o que mais me prejudicava. As causas? Tantas. Algumas delas: 1) cresci em ambiente ansiogênico e fui educado sob pressão por pais anafetivos; 2) há muitos casos de doenças mentais entre meus familiares; 3) insegurança crônica; e 4) medo de fracassar.
Durante muito tempo, acreditei que minha ansiedade era tanto positiva quanto negativa. A suposta ansiedade “do bem” influenciava meus sucessos e a ansiedade “do mal” explicava meus fracassos. Nada disso. Ansiedade é uma coisa horrível e debilitante. Nunca pode ser do bem.

SEMÂNTICAS
Não é por acaso que a palavra ansiedade sempre está associada a algo ruim, negativo, prejudicial, doentio, patológico, paralisante. Erroneamente, no passado tentei associá-la também a expectativas saudáveis, no sentido de um fascínio, um encantamento ou uma empolgação que podia atiçar minha criatividade e ativar minha capacidade de realização. O fato é que não existe ansiedade positiva e ansiedade negativa. Ansiedade é um transtorno mental, aceite-o, e nunca pode ser saudável.
O que nos faz agir e reagir de maneira “saudável” aos fatores externos e às consequências de nossas escolhas não é a ansiedade, mas sim uma expectativa positiva, que você também pode chamar de desejo, esperança, crença, aposta. Ansiedade é outra coisa. Ansiedade precisa ser encarada como um mal a ser combatido, porque ela pode te levar ao esgotamento e à depressão. Aceite também que uma vida sem ansiedade é impossível, a menos que você viva completamente desligado do mundo.
MOVIMENTOS
As expectativas positivas – uma energia plena de ideias realizáveis – me fez gerar, executar e concluir projetos complexos em intervalos de tempo curtos. Me ajudou a obter (de maneira autodidática e rápida) conhecimentos que a maioria das pessoas considera difíceis ou inatingíveis. Escrevi (como autor – com meu nome na capa – e como ghos twriter) 15 livros e organizei 5 coletâneas. Tudo isso num intervalo de apenas 20 anos, sem dedicação exclusiva.
Realizei as obras enquanto trabalhava como jornalista e/ou como professor universitário. E trabalhava como jornalista/professor enquanto cursava mestrado e doutorado na ECA/USP. Quando movido por uma agitação construtiva, “I really solve problems” (risos). O fato é que sou uma pessoa intensa, que, quando se propõe a fazer algo, crava as digitais no que faz. Mas isso não decorreu da minha ansiedade. A ansiedade é o oposto de ação construtiva e de expectativa boa. Ansiedade gera caos e bloqueios.
CRISES
Eu percebia a crise de ansiedade se aproximar quando me sentia forçado a agir sempre muito, muito rápido, em qualquer circunstância. Quando tudo – até o estímulo mais insignificante – me irritava profundamente. Lentidões, obstáculos, adversidades, barulhos repetitivos, lugares reluzentes me provocavam uma inquietação interior arrepiante. Meu modo de falar se acelerava e as palavras atropelavam-se umas às outras, como se eu fosse perder a capacidade de me fazer entender.
Meu raciocínio, normalmente rigoroso e ágil, atingia uma velocidade que nem eu mesmo conseguia acompanhar. Os “defeitos” (os meus e os do mundo) adquiriam uma dimensão gigantesca. Nessas condições, eu me trancava dentro de mim mesmo e escondia a chave. Telefonemas e mensagens? Não respondia. Convites? Recusava. Compromissos sociais marcados? Cancelava. O pior: eu perdia a capacidade de ser amável e gentil, duas atitudes que aprecio em mim, e que aprecio nos outros.
GATILHOS
Estes e outros sinais de crise (resumidos acima) pertenciam a um conjunto amplo. Não surgiam sempre nesta ordem, nem de uma só vez. Iam aparecendo aos poucos, até a crise de ansiedade se configurar. Você já deve ter percebido o quanto é importante conhecer os mecanismos da tua ansiedade para ser capaz de intervir neles. Gatilho é o que te deixa vulnerável a pensamentos autodestrutivos. Pensamentos autodestrutivos são a principal porta de entrada para as crises de ansiedade. Os gatilhos são diferentes de pessoa para pessoa e muito variados.
Para mim, os gatilhos principais eram problemas financeiros, frustrações momentâneas, incertezas, insatisfação profissional, medo de fracassar, estresse e, principalmente, períodos de depressão (depressão e ansiedade podem ser causa ou consequência uma da outra). A ansiedade pressupõe a antecipação de problemas imaginados, que até podem vir a ocorrer. Minhas elucubrações tinham coerência e sentido, sim, mas a mesma questão podia ser interpretada preferencialmente de maneira menos prejudicial ao meu funcionamento.

BILHÕES
A ansiedade, problema que atinge um terço da população mundial, é na verdade uma resposta natural do corpo ao estresse e às energias negativas. É um sentimento de desconforto inespecífico. Uma apreensão sobre o que está por vir: o primeiro dia de aula, a entrevista de emprego, a apresentação em público, etc. Mas também tem a ver com situações que não estão nos atingindo diretamente agora, como as notícias horríveis que você leu ou a direção para a qual você acredita que o mundo está indo. O fato é que as ruminações dificultam a solução dos problemas reais.
Sim, a ansiedade envolve insegurança, medos, nervosismos, tensões, às vezes perda de apetite ou até ganho de peso. As causas gerais? Traumas de infância, cansaço acumulado, excesso de preocupações (preocupar-se com “o que os outros podem estar pensando sobre você”, principalmente), uso abusivo de álcool e drogas, hereditariedade, entre outras. Genes, ambientes e comportamentos parecem formar um bloco tão coeso quanto imutável, mas não é bem assim. A hereditariedade é a única variável da qual você não tem como escapar.
GENES E AMBIENTES
Sou filho de pais hiperansiosos e controladores, e na família da minha mãe há muitos casos de doenças mentais graves. Cresci em um ambiente ansiogênico, onde tudo parecia (só parecia) funcionar sob o mais rígido controle, como se fôssemos robôs, sem espontaneidade nem flexibilidade. Racionalmente falando, sei que temos pouco controle sobre o que acontece conosco, mas a ansiedade é irracional, ela se opõe à lucidez. E alimenta-se dela própria. Ou seja, é ansiogênica em si mesma.
Não por acaso, quando entro em processo ansioso, o perfeccionismo me domina. Minha maior vontade é colocar (e ver) os objetos e as situações em seus devidos lugares, talvez para tentar produzir alguma ordem na mente acelerada e descontrolada. E o que acontecia? Eu via tanta coisa fora de lugar que ficava ansioso (e raivoso) por não ter sido capaz de organizar todas elas. A “ilusão de perda de controle” piorava a situação, obviamente.
MEU SER
Comportamentos expressam quem somos. Temperamentos também. Sabe aquele cara super relaxado que você viu dormindo com a boca aberta antes de o avião decolar? Não era eu. Minha mente simplesmente não parava, não se desligava nunca. Eu estabelecia correlações e criava pontes ligando continentes até mesmo quando eu estava em repouso. Operava com muitas variáveis simultâneas, antevia/vislumbrava cenários e tentava evitar tarefas banais.
Além disso, detesto repetições cansativas e fujo o quanto posso de conversas fiadas. Minha hiperatividade cerebral tem muito a ver com o fato de eu ser introvertido e hiper-sensível. A introversão e a hipersensibilidade são “dádivas”, hoje entendo. Por outro lado, ambas potencializavam angústias fora do comum. Mas finalmente consegui aprender que o modo “relaxado”, que não fora previsto em meu sistema operacional mental, podia ser aprendido e acionado conscientemente.

O QUE FAÇO
Adquirir consciência (1) de ser ansioso (em vez de tentar esconder minha ansiedade dos outros a qualquer custo) e (2) de que a ansiedade é um transtorno foi um grande passo. O que tenho tentado fazer para lidar com minha ansiedade? Well, além das ações óbvias, que você já conhece, como buscar ajuda profissional (psicoterapia) e tomar medicamentos (conforme o grau da crise), tenho trabalhado em mudanças profundas na minha visão de mundo e nos meus comportamentos.
- evito me sobrecarregar com problemas que não são meus.
- não me iludo mais com ideais de perfeição.
- quando invadido por maus pensamentos, direciono minha atenção para a minha respiração.
- por falar em respiração, pratico mindfulness.
- reservo tempo para atividades que me dão prazer, como andar de bicicleta, fazer caminhadas em parques, ouvir música e assistir a filmes e seriados, por exemplo.
- vou dormir (e acordo) todos os dias mais ou menos no mesmo horário, sem telas de computadores ou celulares por perto.
- procuro ter clareza de por que estou envolvido em uma atividade, se pelo desafio ou se só pelo dinheiro, por exemplo.
- sinto e exprimo gratidão, sinceramente.
- aceito com naturalidade o fato de que todas as medidas anteriores (e tantas outras mais) podem não funcionar, e que, assim sendo, só me restará conviver com as emoções negativas decorrentes da minha ansiedade.
- na psicoterapia, amplio meu conhecimento sobre as causas e as consequências das depressões (clinicamente falando) que tive que enfrentar e sobre as espirais que podem me levar à ansiedade.
- persisto na busca por um estilo de vida menos acelerado e menos estressante, embora uma vida 100% livre de estresse seja impossível, indesejável ou mesmo ansiogênica.
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Olá, Sergio!
Também sou escritora ansiosa e me identifiquei muito com você neste seu mergulho na ambivalência. Foi divertido, creia. Siga em frente, é o que posso dizer, pois vale a pena.
Recebo sempre suas crônicas, mas nem sempre tenho disponibilidade para ler. Apesar do ano paralisado, continuo sendo “A Louca da Casa”. Não consegui ainda relaxar.
Abraços,
Branca Maria de Paula
Branca, obrigado pela mensagem de apoio.
Serei sempre “O Louco”. E só… rs…
Abraço, Sergio