A satisfação – a alegria de ver realizados nossos desejos e expectativas – é um dos maiores paradoxos da vida. Desejamos a satisfação e a buscamos intensamente, mas só a experimentamos por breves momentos, e o ciclo de correr atrás dela novamente na expectativa de fazê-la durar repete-se ad infinitum. “Não consigo satisfação, mas tento, e tento, e tento”, canta Mick Jagger em “Satisfaction”. Mas insatisfação não é condenação. Se compreendermos seus mecanismos e fizermos mudanças, é possível quebrar esse ciclo vicioso.
UNIVERSAL E ONIPRESENTE
Pesquisadores evolucionistas comprovaram que nossa necessidade de querer mais e mais é inata. Não importa o quanto temos, há sempre um desejo novo que nos move adiante. É como se o nosso cérebro estivesse programado para nos impedir de desfrutar longamente as nossas recompensas. A insatisfação é universal. Há pessoas insatisfeitas de todas as idades, em todos os continentes, independentemente de renda e educação. A maioria busca algo concreto (comprar uma casa ou trocar de emprego), mas há quem sinta falta de “coisas” que sequer consegue verbalizar. Praticar a gratidão ajuda a reduzir expectativas irreais, mas não nos livra da insatisfação.
Sabe aquelas pessoas bem-sucedidas que você admira? Elas estão entre as que mais sofrem de insatisfação, juntamente com os famosos. Notícias sobre celebridades vitoriosas sentindo-se de alguma forma “incompletas” são frequentes. As redes sociais, fábricas de dopamina, se alimentam da nossa necessidade de gozos rápidos, decorrentes da busca por admiração, respeito e afeto. [Parece haver uma relação direta entre insatisfação e transtornos como depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e históricos de abusos físicos e/ou psicológicos. A insatisfação seria causa ou consequência desses transtornos? Não encontrei resposta satisfatória (risos).]
TRIPÉ E ARMADILHAS
A satisfação é um dos três principais nutrientes da felicidade (os outros dois são o significado que atribuímos à vida e a experiência de prazer em vivê-la), mas tentar se satisfazer continuamente cria expectativas enganosas, que tornam a sensação de felicidade ainda mais fugaz. Acreditar, por exemplo, que o sucesso traz satisfação duradoura é uma armadilha na qual eu também caí. Quando tinha 25 anos, queria escrever livros, me tornar um jornalista respeitado, um professor universitário de prestígio, viajar para dar aulas e palestras, participar de debates e construir um sistema de conhecimentos relevantes no campo da comunicação/jornalismo.
Acreditei que se atingisse meus objetivos num intervalo de 15 a 20 anos seria uma pessoa satisfeita (e feliz). Adivinhe o que aconteceu? Quando completei 50 anos (em 2015) me dei conta de que havia realizado até bem mais do que planejara (virei até empreendedor do setor da educação e alguns dos meus livros tiveram sucesso). Mas a sensação de estar realizado e finalmente satisfeito não veio junto. Meu contentamento durava algumas semanas, quando muito. E partia em busca de novos projetos/ideais, não necessariamente em linha com o que já havia feito. Tive medo de perder o que havia conquistado, mas fechei os olhos e fui em frente. Em 2016, deixei para trás uma carreira de prestígio como professor em São Paulo, mudei de vida, mudei de país (Itália/Toscana/Florença). E já estou em nova fase: agora junto à natureza, nas montanhas da Província de Modena, Emília Romagna.
SONHOS MENTEM
Arthur Books, autor de “From Strength to Strength: Finding Success, Happiness, and Deep Purpose in the Second Half of Life” (2022), publicou na “Atlantic” um ensaio intitulado “How to Want Less”, no qual sublinha uma equação profundamente codificada dentro de nós: satisfação = obter o que se quer. Nossos sonhos de adultos estão cheios de promessas de satisfações eternas que, na prática, são como bolhas de sabão. Dissolvem no ar. A realização de sonhos produz alegria e prazer, sim, mas só até a gente vislumbrar metas e recompensas novas. Entregue a uma criança de quatro anos um pacote de batatas fritas. Em segundos aquilo fica “velho” e a criança já quer outra coisa.
Todos os sistemas vivos buscam condições estáveis sempre que possível. O termo homeostasia –criado pelo fisiologista Walter Cannon (1871-1945), que nomeia o processo de regulação através do qual um organismo consegue permanecer em equilíbrio – se aplica à satisfação também. A homeostase inclusive ajuda a explicar por que o álcool e as drogas não funcionam como a gente imaginava. Você toma a primeira dose, atinge o prazer, mas teu cérebro aprende a reconhecer a mudança de estado psíquico e reage para neutralizar o efeito: “Habituado à liberação incessante de dopamina, o cérebro passa então a reduzir a produção dela, e você vai querer outra e outra dose”.
EFEITO DOPAMINA
Na década de 1950, um estudo mostrou que uma das causas do Mal de Parkinson era a deficiência de dopamina. Acreditou-se, a partir de então, que a dopamina estava associada aos movimentos físicos. Nos anos 1980, pesquisadores de Cambridge demonstraram que, na verdade, a dopamina tinha a ver com as recompensas que recebemos por nossas ações (desejos, ambições, libido e vícios). A dopamina nos recompensa por uma ação. Se o prazer é alcançado, a ação que o gerou tende a virar hábito. E ao realizar meus desejos (independentemente do grau de complexidade) meu organismo passa a exigir satisfações mais complicadas de obter.
Podemos escolher entre o apego e o impulso de ter mais ou usar o livre arbítrio e o autocontrole para combater a criatura pré-histórica que mora em nós. A liberdade está na alegria de viver, não no que possuímos ou nas recompensas que conquistamos.
Arthur Brooks, autor de “From Strength to Strength” (Portfolio/Penguin, 2022)
A dopamina (descoberta em 1957) é um dos vinte principais neurotransmissores – uma frota de condutores de substâncias químicas que lembram motoboys ziguezagueando no trânsito caótico das grandes cidades brasileiras. Os neurotransmissores transportam mensagens urgentes entre os neurônios, nervos e células. Garantem que nossos corações batam, que nossos pulmões respirem e, no caso da dopamina, que sejamos capazes de tomar um copo de água quando temos sede, de comer quando temos fome e de querer procriar (inconscientemente, nossa espécie memorizou que nossos genes precisam continuar vivos depois da nossa morte).
ESTEIRA HEDÔNICA
Se tua autoestima está fundamentada em dinheiro, poder e prestígio, você vai precisar de novas conquistas para continuar se sentindo bem. No entanto, chegará o momento em que tua motivação será outra. Em vez de lutar para continuar se sentindo bem, você vai fazer de tudo para evitar se sentir mal. Essa corrida irrefreável contra os ventos do equilíbrio tem nome: esteira hedônica (tapis roulant hédonique). [Hedônica vem de hedonismo, o prazer como razão de viver.] De olho nas recompensas, você vai correr sem parar na esteira hedônica, mas a sensação final é a de ter ficado exatamente onde estava, não importando os resultados obtidos.
É um drama do qual estamos mais ou menos conscientes, considerando que vivemos numa cultura hiper consumista. No entanto, ao que parece, ninguém está a fim de descer da esteira hedônica. O desejo de possuir cada vez mais é tão potente quanto a nossa relutância em possuir menos. Você “tenta, e tenta, e tenta”, mas não consegue desejar menos. Não por acaso, ricos acumulam muito mais do que são capazes de gastar, acreditando que um dia se sentirão satisfeitos. Schopenhauer: “Riqueza é como água do mar. Mais se bebe, mais sede se tem. Vale também para a fama”. A hipótese de abandonar a esteira hedônica, aliás, soa meio aterrorizante para qualquer pessoa ambiciosa.
OS OUTROS E A FÉ
Tentativas de satisfação derivadas do sucesso, da acumulação de bens materiais ou da forma física (ou da “beleza”, digamos) têm a ver com competição também. Ou seja, correr sem parar na esteira hedônica não basta. Você tem de correr mais rápido que os outros. Não por acaso gente com bilhões de reais em caixa se sente fracassada quando descobre que seus amigos bilionários são, na verdade, trilionários. Atores e atrizes reconhecidos podem se desmotivar diante do sucesso de amigos e colegas ainda mais famosos. Isso, de comparar-se com os outros é outro efeito colateral da insatisfação. De qualquer forma, tenha em mente que há um instinto neurobiológico que te move.
Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição.
Mahatma Gandhi
Para quem tem fé, o nome é outro: paraíso. Segundo os textos sagrados, no paraíso encontraríamos uma satisfação constante. Hoje podemos compreender cientificamente o que sábios e sacerdotes da antiguidade diziam: que o dinheiro (por si só) não traz felicidade; e que o poder, a honra e o prazer são tão sólidos que se desmancham no ar. “O problema está no nosso natural apego a coisas que não produzem satisfação duradoura”, escreve Brooks. “Se isso te soa meio budista é porque é. Aliás, Tomás de Aquino e Buda (e Mick Jagger) disseram a mesma coisa: vida é insatisfação. A causa? Apego excessivo a coisas que nunca vão nos satisfazer realmente.”
MUDAR A EQUAÇÃO
Duas conclusões importantes: 1) A natureza humana não favorece o bem-estar constante; 2) Seguir nossos instintos não nos leva a uma felicidade durável. Brooks propõe então uma correção na fórmula satisfação = obter o que se quer, porque, segundo ele, não podemos ignorar um fator chave: o que já temos/conquistamos. A equação “completa” seria: satisfação = o que você tem + o que você quer ter. Como a ideia de obter sempre mais e mais é insustentável, a saída é gerenciar o que queremos, adicionando às nossas listas de desejos objetivos que sejam satisfatórios por si mesmos, sem esperar que os outros nos deem recompensas (materiais ou simbólicas).
Exemplo: ajudar pessoas, compartilhando com elas conhecimentos que adquirimos, é uma ação que pode trazer motivação intrínseca. Motivações intrínsecas são aquelas que nascem dentro de cada um de nós (em sintonia com o nosso self), livres da pressão de se ter que exibir troféus ou de estabelecer um toma-lá-dá-cá numérico-monetário. A satisfação intrínseca está centrada no processo, não no resultado. A maioria das pesquisas sobre satisfação mostrou que as motivações intrínsecas criam satisfações duradouras. Mercados, hierarquias, prêmios, etc. estão fora de nós. São conquistas sobre as quais não temos controle, além de serem transitórias e um tanto abstratas.
LISTA AO CONTRÁRIO
Brooks sugere que anualmente façamos duas listas. Na primeira, de um lado anotamos o que pretendemos realizar e do outro os desejos que envolvem dinheiro, poder e reconhecimento. Na segunda lista, registramos as forças que podem nos ajudar a alcançar a tal “felicidade estável”. No meu caso: manter relacionamentos saudáveis; criar projetos de conteúdo nos quais veja algo mais que apenas a remuneração; escrever o que quiser quando eu quiser; ler livros sem me preocupar com listas ou cânones literários; estar próximo da natureza; ver muito filmes e seriados (hobbies meus); compreender culturas de matrizes diversas; sentir-me firme e forte no tempo presente, entre outras coisas.
A riqueza influencia-nos como a água do mar. Quanto mais bebemos, mais sede temos. O mesmo vale para a fama.
Arthur Schopenhauer
Também podemos encontrar plenitude prestando atenção em acontecimentos aparentemente pequenos. Experiências que antes te pareciam “bobas/ingênuas”, como testemunhar o desabrochar de uma flor, podem se transformar em recordações eternas (epifanias). Na verdade, precisamos aceitar que para satisfazer-se não basta desapegar-se, ter menos coisas. Atitude valiosa mesmo é descer da esteira hedônica, a verdadeira causa das acumulações. “Podemos escolher entre o apego e o impulso de ter mais ou usar o livre arbítrio e o autocontrole para combater a criatura pré-histórica que mora em nós. A liberdade está na capacidade de viver com prazer e alegria, não no que possuímos.”
Gostei muito desse artigo. Aparentemente simples, trouxe um monte de reflexões para digerir. É um daqueles textos para reler, fazendo anotações.
Obrigado, Sérgio. Acho que vai me ajudar muito.
Caro Alex, fico feliz por ter te alcançado de alguma forma. Abraço!