A satisfação – a alegria de ver realizados nossos desejos e expectativas – é um dos maiores paradoxos da vida. Desejamos a satisfação e a buscamos intensamente, mas só a experimentamos por breves momentos, e o ciclo de correr atrás dela novamente na expectativa de fazê-la durar repete-se ad infinitum. “Não consigo satisfação, mas tento, e tento, e tento”, canta Mick Jagger em “Satisfaction”. Mas insatisfação não é condenação. Podemos quebrar esse ciclo vicioso.

UNIVERSAL E ONIPRESENTE
Pesquisadores evolucionistas comprovaram que nossa necessidade de querer mais e mais é inata. Não importa o quanto temos, há sempre um desejo novo que nos move adiante. É como se o nosso cérebro estivesse programado para nos impedir de desfrutar longamente as nossas recompensas. A insatisfação é universal. A maioria busca algo concreto (comprar uma casa ou trocar de emprego), mas há quem sinta falta de “coisas” que sequer consegue verbalizar.
Sabe aquelas pessoas bem-sucedidas que você admira? Elas estão entre as que mais sofrem de insatisfação, juntamente com os famosos. Notícias sobre celebridades vitoriosas sentindo-se de alguma forma “incompletas” são frequentes. As redes sociais se alimentam da nossa necessidade de busca por admiração, respeito e afeto. [Estudo indicam que pode haver relação direta entre insatisfação e depressão, ansiedade, estresse pós-traumático e históricos de abusos físicos e/ou psicológicos.]
SONHOS MENTEM
Arthur Books, autor de “From Strength to Strength: Finding Success, Happiness, and Deep Purpose in the Second Half of Life” (2022), publicou na “Atlantic” um ensaio intitulado “How to Want Less”, no qual sublinha uma equação profundamente codificada dentro de nós: satisfação = obter o que se quer. Nossos sonhos de adultos estão cheios de promessas de satisfações eternas que, na prática, são como bolhas de sabão. Dissolvem no ar.
Todos os sistemas vivos buscam condições estáveis sempre que possível. O termo homeostasia, que nomeia o processo de regulação através do qual um organismo consegue permanecer em equilíbrio se aplica à satisfação também. A homeostase inclusive ajuda a explicar por que o álcool e as drogas não funcionam como a gente imaginava. Você toma a primeira dose, atinge o prazer, mas teu cérebro aprende a reconhecer a mudança de estado psíquico e neutraliza o efeito. Você vai querer outra dose”.
Podemos escolher entre o apego e o impulso de ter mais ou usar o livre arbítrio e o autocontrole para combater a criatura pré-histórica que mora em nós. A liberdade está na alegria de viver, não no que possuímos ou nas recompensas que conquistamos.
Arthur Brooks, autor de “From Strength to Strength” (Portfolio/Penguin, 2022)
ESTEIRA HEDÔNICA
Se tua autoestima está fundamentada em dinheiro, poder e prestígio, você vai precisar de novas conquistas para continuar se sentindo bem. No entanto, chegará o momento em que tua motivação será outra. Em vez de lutar para continuar se sentindo bem, você vai fazer de tudo para evitar se sentir mal. Essa corrida irrefreável contra os ventos do equilíbrio tem nome: esteira hedônica (tapis roulant hédonique). [Hedônica vem de hedonismo, o prazer como razão de viver.]

Ao que parece, ninguém está a fim de descer da esteira hedônica. O desejo de possuir cada vez mais é tão potente quanto a nossa relutância em possuir menos. Você “tenta, e tenta, e tenta”, mas não consegue desejar menos. Não por acaso, ricos acumulam muito mais do que são capazes de gastar, acreditando que um dia se sentirão satisfeitos. Schopenhauer: “Riqueza é como água do mar. Mais se bebe, mais sede se tem. Vale também para a fama”.
OS OUTROS E A FÉ
Correr sem parar na esteira hedônica não basta. Você tem de correr mais rápido que os outros. Não por acaso gente com bilhões de reais em caixa se sente fracassada quando descobre que seus amigos bilionários são, na verdade, trilionários. Atores e atrizes reconhecidos podem se desmotivar diante do sucesso de amigos e colegas ainda mais famosos. Isso, de comparar-se com os outros é outro efeito colateral da insatisfação.
Há riqueza bastante no mundo para as necessidades do homem, mas não para a sua ambição.
Mahatma Gandhi
Para quem tem fé, o nome é outro: paraíso. Segundo os textos sagrados, no paraíso encontraríamos uma satisfação constante. Hoje podemos compreender cientificamente o que sábios e sacerdotes da antiguidade diziam: que o dinheiro (por si só) não traz felicidade; e que o poder, a honra e o prazer são tão sólidos que se desmancham no ar. “Vida é insatisfação. A causa? Apego excessivo a coisas que nunca vão nos satisfazer realmente”, escreve Brooks.
MUDAR A EQUAÇÃO
Brooks propõe então uma correção na fórmula satisfação = obter o que se quer, porque, segundo ele, não podemos ignorar um fator chave: o que já temos/conquistamos. A equação “completa” seria: satisfação = o que você tem + o que você quer ter. Como a ideia de obter sempre mais é insustentável, a saída é gerenciar o que queremos, adicionando às nossas listas desejos que sejam satisfatórios por si mesmos, sem esperar que os outros nos deem recompensas (materiais ou simbólicas).
Exemplo: ajudar pessoas, compartilhando com elas conhecimentos que adquirimos, é uma ação que pode trazer motivação intrínseca. Motivações intrínsecas são aquelas que nascem dentro de cada um de nós (em sintonia com o nosso self), livres da pressão de se ter que exibir troféus. A satisfação intrínseca está centrada no processo, não no resultado. A maioria das pesquisas sobre satisfação mostrou que as motivações intrínsecas criam satisfações duradouras.

LISTA AO CONTRÁRIO
Brooks sugere que anualmente façamos duas listas. Na primeira, de um lado anotamos o que pretendemos realizar e do outro os desejos que envolvem dinheiro, poder e reconhecimento. Na minha primeira lista anotei: manter relacionamentos saudáveis; criar conteúdos nos quais eu veja algo mais que apenas a remuneração; escrever o que quiser quando eu quiser; ler livros sem me preocupar com cânones literários; estar próximo da natureza; ver muito filmes e seriados (hobbies meus).
Também podemos encontrar plenitude prestando atenção em acontecimentos “pequenos”. Experiências que antes te pareciam “bobas”, como testemunhar o desabrochar de uma flor, podem se transformar em epifanias. Na verdade, precisamos aceitar que para satisfazer-se não basta desapegar-se e ter menos coisas. Atitude valiosa mesmo é descer da esteira hedônica, a verdadeira causa das acumulações: “A liberdade está na capacidade de viver com prazer e alegria, não no que possuímos”.
Gostei muito desse artigo. Aparentemente simples, trouxe um monte de reflexões para digerir. É um daqueles textos para reler, fazendo anotações.
Obrigado, Sérgio. Acho que vai me ajudar muito.
Caro Alex, fico feliz por ter te alcançado de alguma forma. Abraço!