Se cabeça vazia é a oficina do diabo, mente sobrecarregada é o próprio inferno. Cabeça cheia se esgota fácil. A sobrecarga mental é um problema que afeta milhões de pessoas de ambos os sexos e de todas as idades em todo o mundo. Não tem a ver somente com a super exposição tecnológica a que estamos submetidos. Também influencia – e muito – o afã de querer ser (ou de se sentir obrigado a ser) multitarefas.
A propósito, ser multitarefa não é tudo isso que dizem por aí. Existem tantos tipos de tarefas quanto perfis desejáveis para cada tipo de atividade, profissão ou carreira. Algumas pessoas realmente preferem assumir muitas coisas ao mesmo tempo, mas executam uma de cada vez, ordenadamente. Outras preferem se concentrar em uma só tarefa em profundidade por longo tempo.
O fato é que somente 2,5% dos seres humanos, calculam os especialistas, podem ser chamados de supertaskers, gente capaz de realizar com excelência várias solicitações simultâneas em momentos de congestionamento de demandas. Estamos falando de quando você tem que mudar de uma coisa para outra sem perder de vista as anteriores e ainda ser capaz de concluir todas com a mesma exatidão. Os demais mortais – leia-se: nós – têm de lutar bravamente para tentar chegar perto dessa performance (o que já não é pouco).
POR EXEMPLO
“Por exemplo, se entre as tantas tarefas do seu dia você tem de buscar um amigo em casa e ir a um supermercado perto da casa do tal amigo, concentre-se e preste atenção no que as duas tarefas têm em comum. Ambas são no mesmo bairro, veja só. Com a prática, o cérebro aprende a ‘novidade’ e esse raciocínio vai se tornando cada vez mais natural”, sugere Omar Al-Hashimi, pesquisador da Universidade da Califórnia (UCSF) em São Francisco.
Imagine o seguinte: você está recebendo amigos e cozinhando para eles. Mete uma caçarola no forno, coloca lascas de frango assado e legumes em uma frigideira no fogão, frita um pouco de bacon e aquece sobras do purê de batatas do almoço no microondas. Enquanto você faz tudo isso, está conversando com os seus amigos e cuidando da sua filha pequena, que está com fome e nada disposta a esperar.
Nesse caso, você não estava fazendo uma coisa de cada vez. Estava começando e parando várias tarefas de acordo com o contexto. Lembro que eu tinha que agir assim nas minhas aulas de graduação e pós. Cuidava para que o plano de ensino fluísse sem parecer impositivo. Me abria para feedbacks dos alunos. Controlava o tempo para não deixar que os tópicos essenciais se perdessem e finalizava a aula no momento previsto.
ATENÇÃO AO FEEDBACK
Trabalhar e ser mãe – sem auxiliares – é o exemplo mais básico do que é ser multitarefas, lembra Omar. “Dentro e fora, para frente e para trás, iniciar, aguardar, retomar, abandonar, concluir. Nosso ritmo cognitivo pode se adaptar a cenários mutáveis, mas é preciso mais do que prática constante. Você tem que aceitar ainda o fato de que algumas tarefas terão de ser interrompidas para serem retomadas depois.” Ou seja, precisamos aprender a realizar múltiplos trabalhos (picados). Porém, nosso cérebro não foi “projetado” para isso.
Quando estamos em um gargalo de tarefas não podemos ficar obcecados com a ideia de completar cada coisa primeiro para então partir para a seguinte. O cientista cognitivo Hansjörg Neth (Universidade de Konstanz, Alemanha) e colegas compararam o feedback imediato e o feedback geral em um contexto de tarefas simultâneas. Descobriram, ou melhor, confirmaram que o feedback nos ajuda a escapar dos congestionamentos de tarefas.
Na cozinha, quando você cutucou o frango para verificar o cozimento, você recebeu um feedback que te ajudou a determinar quanto tempo você precisa para considerá-lo pronto. Mantendo a mente focada na textura atual do frango, você seguiu em frente. Da mesma forma, eu ia desenvolvendo as minhas aulas à medida que sentia o ritmo da turma e as condições de aprendizado naquele dia.
PERFECCIONISMOS
“Sem retorno, o cérebro fica sobrecarregado”, sublinha Pillay, lembrando que o feedback não necessariamente precisa ser dado por alguém. Pode ser dado a nós por nós mesmos. “Se você acha que tem um bilhão de coisas para fazer em um só dia, dê a si mesmo feedbacks conscientes. Pare e pense sobre o que acabou de fazer e como aquilo se relaciona com o que você tem de fazer a seguir. Isso te permitirá adaptar e aperfeiçoar o modo/método de fazer.”
Agora pense em um médico de pronto socorro sufocado por diversos tipo de urgências. Ter tempo para dar esse feedback a si mesmo (ou mesmo recebê-lo de alguém) certamente interromperá o fluxo do trabalho no curtíssimo prazo. Por outro lado, permitirá uma evolução até que os processos se tornem bem mais “automáticos” (e se cruzem lá na frente).
O problema da sobrecarga mental pode atingir qualquer pessoa muito atarefada, diz Cécile Neuville, psicóloga membro da comissão de saúde municipal de Montpellier (França). “Porém, aquela sobrecarga que leva ao esgotamento físico e emocional acomete com maior força quem tem dificuldade de deixar para lá ou deixar para depois”. Neste ponto, qualquer relação com perfeccionismo não é mera coincidência.
PONTOS FRACOS
Você já deve ter lido ou ouvido que os fanáticos por ordenamentos e certezas no fundo temem a opinião alheia. Buscam o que pensam ser a “perfeição” com o intuito, na verdade, de satisfazer os outros. Assim, pensam, receberão em troca o afeto e a segurança que não tiveram quando crianças, dizem os especialistas. Mais: ao escavar seus passados, acabam descobrindo no centro de suas vigilâncias obsessivas o nó górdio que os levara a fecharem-se em si mesmos. “O fato é que o desejo de controle, quando excessivo, cria mais pontos fracos do que pontos fortes”, sublinha Neuville.
Nossa memória de trabalho é restrita, ela não consegue elaborar mais de quatro tarefas por vez. “Por outro lado, sua dimensão é ilimitada. Exemplo: você precisa comprar ingredientes para o jantar com seus amigos e cereais matinais para o café da manhã do seu filho. Então, agrupe tudo sob o mesmo guarda-chuvas: ‘lista de compras para a família’. Ao ‘ritualizar’ esquemas mentais novos, você gasta menos energia e abre espaço para informações que passavam batidas.”
Cabeça cheia se esgota fácil e precisamos fazer alguma coisa. Como nem sempre podemos evitar os congestionamentos de tarefas, uma saída seria se concentrar e prestar atenção no aqui-agora. [Pensando bem, o fato de ter que alternar três idiomas no meu dia a dia de trabalho contribui para a minha sobrecarga mental. Infelizmente, essa não é uma realidade que eu possa mudar, no momento.]
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Belo artigo, Sérgio. Parabéns!
No mundo de hoje temos que nos preocupar com a gestão da nossa atenção. Não dá para se alistar em todas as guerras.
As empresas estão cheias de psicopatas, maioria adoeceram pela sobrecarga mental.
Obrigado, Cícero. O “Repensando Atitudes” está cada vez mais empenhado em produzir reflexões sobre comportamento por um ponto de vista tanto cultural quanto científico. E assim vou, iluminando espaços vagos, fertilizando campos áridos e ajudando pessoas a aperfeiçoar a vontade, a sensatez e o bom uso do tempo. Abraço !!