Dois acontecimentos são fundamentais em nossa existência: 1) sabermos reconhecer o bom trabalho dos outros; e 2) receber reconhecimento à altura do que fomos capazes de realizar. Existem muitas teorias e discursos sobre reconhecer e ser conhecido. A maioria dessas teorias pressupõe que dependemos do feedback de outras pessoas e/ou do grupo ao qual pertencemos para reforçar a nossa identidade. Viver em sociedade implica reconhecer e ser reconhecido.
Pessoas que não obtêm nem reconhecimento nem recompensa em relação aos seus esforços e seus posicionamentos têm mais dificuldade de levar adiante seus projetos e suas ideias, revelam pesquisas. A ausência total de reconhecimento e/ou o reconhecimento indevido podem distorcer (ainda mais) as self-stories – as histórias que a gente se conta sobre nós mesmos (e que nos definem diante dos outros).
Inúmeros estudos descreveram como as vítimas do racismo e do colonialismo sofreram danos psicológicos graves por terem sido degradadas como seres humanos (inferiores). O reconhecimento se baseia na existência do re-conhecedor, do reconhecido e do objeto do reconhecimento. Esse tema está muito associado ao mundo corporativo e à area de saúde, mas ultrapassa (e muito) esses dois âmbitos.
UM “CASE”
Eu não teria desejado ser escritor se, no início dos anos 1980, um futurologista me tivesse dito que, num futuro próximo teríamos uma revolução tecnológica; e que a literatura perderia ainda mais importância como produto cultural; e que, no Brasil do século 21, existiriam mais editoras que livrarias, mais livros que prateleiras e mais bate-papo sobre livros do que leitura de livros.
Nos anos 1980, porém, alguns amigos próximos pelo menos tiveram a coragem de me alertar: “Pô, mas escrever não dá dinheiro, Sergio”. Ao que eu respondia, raivoso: “Mas é claro que não dá dinheiro!”. Meus amigos exibiam um olhar interrogativo, como se estivessem ouvindo uma resposta absurda. Ora, por que diabos então o Sergio pensa em ser essa coisa chamada escritor se “nem dinheiro” dá?
PORQUE SIM
Mas eu pensava diferente dos meus amigos e familiares, na época. Recentemente, então, resolvi reformular a pergunta que meus amigos me fizeram. Ficou assim: “Que recompensa você espera obter como escritor, Sergio?”. Primeiro me deu um branco. Depois me veio uma luz (fraquinha). Sim, atravessei décadas omitindo de mim mesmo que a recompensa que eu esperava como escritor era… Nenhuma.
Isso mesmo. Nenhuma. Anos e anos para admitir que ser escritor (na minha visão) tem a ver somente com prazer pessoal. Escrever é desgraçadamente trabalhoso, mas me traz benefícios inestimáveis. O “problema” é que meu prazer de escrever termina quando termino de escrever. Ou seja, todo o resto (encontrar editora, divulgar o livro, dar palestras, frequentar feiras, etc.) é desinteressante para mim.
RECONHEÇA-SE
O primeiro reconhecimento que realmente importa não vem do outro. Vem de nós, como indivíduos. Gostar de si mesmo é o único primeiro passo possível para nos sentirmos inseridos no circuito social. Estranhamente, as pessoas com mais elevada auto-estima que conheci não tinham empregos desafiadores nem corpos esculturais nem amigos influentes. Por outro lado, lidei com gente super bem-sucedida e sem problemas familiares que se castigava diariamente, como se não merecesse existir.
Suspeito que não haja recompensa capaz de alterar permanentemente (para melhor) a lógica subjetiva interna de uma pessoa adulta com baixa auto-estima crônica. Talvez por isso o que uma pessoa com baixa auto-estima mais inveje não seja nem a riqueza nem a inteligência dos outros, mas sim a (suposta) auto-estima elevada dos outros.
ESFORÇO PESSOAL
Uma autoestima elevada não se cria recebendo elogios o tempo todo ou assistindo palestras motivacionais. Antes de tudo, autoestima não é inata, é construída. Significa que requer um bocado de esforço pessoal. Um dos principais esforços é o de silenciar o crítico interno negativo que mora em cada um de nós. Esse crítico é uma instância judicativa que questiona os nossos objetivos e os nossos valores, que tenta diminuir as nossas conquistas e insiste em nos comparar com pessoas que sequer conhecemos.
Se não debelarmos essas “intervenções infundadas”, nenhum reconhecimento pelas nossas realizações – e, consequentemente, nenhuma recompensa – terá efeito sobre a nossa autoestima. Quando conquistei o Prêmio Jabuti (1998), eu estava em uma fase de vida super complicada. Meu crítico interno se aproveitou disso e me infundiu ideias muito destrutivas, como se, por ser um principiante, eu não merecesse (eu merecia, sim, claro) aquela honraria.
DEBATE INTERNO
Nem tudo o que pensamos/dizemos a nosso respeito é reflexo da realidade verdadeira, porque o crítico interno está sempre pronto a desmontar nossas coerências. Por isso precisamos ter em mente que o primeiro grande debate a ser vencido não é com o seu professor, nem com o seu vizinho nem com o seu chefe nem nem com aquele seu colega de trabalho que defende posições políticas contrárias às suas.
O primeiro grande debate a ser vencido é com o seu crítico interno. Daí vêm os próximos passos: ter compaixão por si mesmo (e pelos outros) e saber apreciar as coisas da vida que são realmente valiosas (para você). Não estou tentando dizer que devemos nos esforçar apenas quando há um “prêmio” a atingir. Não. Mas, diante da perspectiva de uma recompensa concreta, a gente tende a se empenhar mais. Seja como for, precisamos ser capazes de realizar algo por puro prazer pessoal – como escrever, no meu caso.