A preguiça é socialmente indefensável em todas as culturas civilizadas. No cristianismo, é um dos sete pecados capitais. No reino da produção incessante, quem a tem é rotulado das mais variadas maneiras: improdutivo, distraído, ineficaz, incompetente, inútil, etc. Interessante que a preguiça diz muito. Tanto sobre a pessoa considerada preguiçosa quanto sobre quem observa e descreve essa tal pessoa. Mas o fato mais importante é que a preguiça tem fim.
Paul Lafargue, genro de Karl Marx, defendeu a preguiça como um direito. Domenico de Masi criou um meio-termo entre a obrigação e o prazer. Adauto Novaes organizou uma coletânea (2011) de 22 conferências para elogiá-la, como já havia feito, com bom humor, Jacques Leclercq nos anos 1930. Corinne Maier, economista suíça, chamou de objetos as pessoas que trabalham só por dinheiro, pulando de um projeto para outro sem se envolverem realmente com o que fazem.
Sim, a preguiça é tão física quanto mental. Negar-se a caminhar, correr, pedalar, remar, levantar pesos, etc. é preguiça física, às vezes confundida com sedentarismo. Você tem se sentido um tanto exaurido pelo noticiário político e pelas posições extremistas (toscas) daqueles 20% da população brasileira que defendem cegamente uma história ou pessoa? Esse tipo de sensação, embora justificado, pode causar preguiça mental – ou seja, a perda da vontade de se interessar por política.
DOENÇA, MAS RARA
Médicos afirmam que as causas da preguiça vão de distúrbios hormonais (mau funcionamento da tiroide ou fadiga crônica) a problemas psicológicos (autoestima baixa e/ou depressão). Mas nem mesmo quem sofre de clinomania, vontade incontrolável de querer ficar na posição horizontal (deitado mesmo), abrindo mão de outras ações, pode ser chamado de preguiçoso. Preguiça não é doença, e pessoas que se apresentam diante de nós assim, sempre sonolentas, são raras.
Fora do campo médico, o ócio e a preguiça são quase sempre vistos em oposição à produção e ao lucro. Mas preguiça e ociosidade são coisas distintas. Você ou eu podemos ser preguiçosos e ociosos ao mesmo tempo, mas não necessariamente quem está inativo (fora do mercado de trabalho) é um preguiçoso. Te parece óbvio demais? Não é.
Até porque estar sempre, sempre super hiper ativo não é uma qualidade em si. Muitas vezes pode ser sinal de pouca inteligência emocional ou incapacidade de refletir. Dois pontos importantes quanto a isso: 1) A inteligência não se desenvolve somente pela ação, mas também pela reflexão; 2) Para ser capaz de refletir, é preciso também ser capaz de parar para contemplar (por exemplo, você não consegue dirigir um carro e contemplar a paisagem circundante ao mesmo tempo).
PARAR PORQUE SIM
Em seu “Elogio à Preguiça”, Jacques Leclercq nos faz a seguinte pergunta: “Você já percebeu que, para admirar, é necessário parar?”. Esta pergunta vai de encontro não apenas aos capitalistas inveterados mas também às hordas de turistas desenfreados visitando sem parar lugares do quais depois nem se lembram do nome (ou mesmo de terem ido).
À frente daquele “para” você pode colocar muitos outros verbos. A pergunta, aliás, fica ótima com “para pensar”. Experimente fazê-la: “Você já percebeu que, para pensar, é necessário parar?”. A resposta será a mesma. [Interessante: só agora me ocorreu que abordar a preguiça em uma cultura digital, acelerada num crescendo, não é uma excentricidade. É uma necessidade.]
Onde quero chegar? Em algumas afirmações que me soam defensáveis:
1) Apenas uma minoria de indivíduos humanos tem a preguiça como parte dos sintomas de uma doença.
2) Todos nós, humanos, sem exceção, somos preguiçosos, inevitavelmente. Ou seja, a preguiça não pode ser erradicada.
3) A preguiça diz muito sobre a pessoa preguiçosa, mas também sobre quem a observa/descreve.
4) Se vista como “momento de contemplação”, em vez de “disfunção”, a preguiça pode ser valiosa.
5) Dependendo do grau e do modo, a preguiça pode, sim, tornar a vida muito mais difícil do que ela já é.
6) Preguiça gera (ou é gerada por) desgastes.
PROCRASTINAR
Honestamente, não vejo o ócio como antônimo de trabalho; nem acho que a preguiça deva estar sempre associada a algo pejorativo, necessariamente; e tampouco acredito que ela circule no sangue do indivíduo que (aos nossos olhos) a demonstra. Prefiro dizer que as pessoas têm o direito (universalmente conquistado) de “não querer fazer” determinada coisa, inclusive essa tal coisa chamada ”trabalho”.
Outro auto exame importante: tente evitar pressupor que formação elevada, dinheiro, poder, status quo e consumo são objetivos que todos os indivíduos humanos (sem exceção) deveriam almejar, porque, afinal, essas são as únicas diretrizes que podem satisfazer todas as pessoas (sem exceção). Falando sério: evite essa ideia com todas as suas forças.
No dia a dia, lutamos contra as sobrecargas, mas às vezes com as armas erradas. Por exemplo, quando nos deixamos sufocar pelo excesso de trabalho e pelas tantas outras obrigações (impostas e auto impostas), o que fazemos? Procrastinamos. Mas chega um ponto em que procrastinar deixa de ser uma coisa qualquer e começa a nos incomodar.
CASUAL OU SISTÊMICA
A preguiça, de modo geral, é subjetiva e portanto permite interpretações muito diversas entre si. Algumas interpretações são errôneas. Exemplo: é equivocado tachar de preguiçoso alguém que se deu um tempo e partiu em busca de momentos de descoberta ou de revisão de alguns acontecimentos da própria vida.
E se a sua preguiça (casual ou sistêmica) estiver mesmo sendo causada por alguma “falta de motivação” – outro modo de as pessoas chamarem a sua atenção para o seu suposto desencaixe social – isso não significa que você seja, necessariamente, uma criatura problemática; e não significa – ah, isso, com certeza – que você é “imotivável”. De forma alguma.
Há anos eu vinha planejando criar um blog – um blog mesmo, não um simples portfólio de autor – para poder escrever nele semanalmente, mas uma dose de desmotivação e uma overdose de preguiça me impediam. Conclusões (ooops): 1) a preguiça não é invencível; 2) e ela tem (começo, meio e) fim.
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