Já ouvir falar de “efeito espectador” (ou “ninguém se move”)? Se sua resposta é não, você precisa ler este texto. Falando sério. Eis do que se trata. Estamos em 1964, e dois psicólogos sociais, John Darley, da Universidade de Nova York, e Bibb Latané, da Universidade Columbia, ficam muito impressionados com a notícia de um crime horrível: Catherine Susan Genovese, conhecida como Kitty, é esfaqueada e estuprada até a morte em Queens, Nova York.
Ela era gerente de um bar e voltava, como sempre, muito tarde. Estacionou o carro a trinta metros de casa. Quem a agrediu foi um homem de 29 anos, ficha limpa na polícia, até então. Capturado dias depois, enquanto cometia um roubo, ele confessa o assassinato de outras duas mulheres e outros crimes. O homem afirmou também que preferia agredir mulheres porque “é mais fácil”.
TESTEMUNHOS INDIFERENTES
O ataque a Kitty Genovese ocorreu em duas etapas e durou cerca de meia hora: de uma janela, alguém gritou “Deixa essa mulher em paz!” e o sujeito se afastou. Mas retornou para atacar sua vítima. Genovese tenta se defender, pede ajuda, mas o único telefonema de um vizinho para a polícia não foi levado em consideração. Na verdade, poucos se perguntaram sobre o que realmente estava acontecendo: eram apenas gritos estranhos na noite. Após esse evento, o sistema policial dos Estados Unidos estabeleceu o número 911 como o único a ser usado em emergências.
Pouco tempo depois do assassinato de Kitty, o “The New York Times” publicou um artigo intitulado “Os 38 que viram o assassinato não chamaram a polícia”. O texto não é exato, pois superestimou o número de testemunhas, como ficou comprovado tempos depois. Por outro lado, colocou em destaque um problema real e desencadeou um amplo debate sobre a apatia e a desumanização dos contextos urbanos.
O TAL EFEITO
Os pesquisadores Darley e Latané decidiram então se aprofundar sobre as dinâmicas psicossociais que residem na raiz do problema e se dedicaram a uma série de experimentos em laboratório. Os resultados atestam um dos efeitos mais sólidos e replicáveis entre os tantos analisados pela psicologia social. Estamos falando exatamente do efeito espectador (bystander effect ou bystander apathy), descrito pela primeira vez em 1968 no “Journal of Personality and Social Psychology”.
O efeito espectador consiste no seguinte: quanto maior o número de pessoas presentes menor a propensão de elas intervirem para ajudar alguém em dificuldade. Em outras palavras: a possibilidade de uma pessoa em situação de emergência obter ajuda é inversamente proporcional à quantidade de pessoas que, estando no local, poderiam efetivamente prestar ajuda.
RESPONSABILIDADE REDUZIDA
De fato, diante de uma situação de emergência as pessoas se encontram em uma condição fortemente ambivalente. Isso foi relatado por dois psicólogos bastante conhecidos, Stanley Milgram e Paul Hollander, em um artigo no “The Nation” em 1964, publicado em resposta ao texto do “The New York Times” que mencionei anteriormente.
De um lado, escrevem Milgram e Hollander, a situação pode parecer pouco clara ou ambígua para os espectadores. Por outro, as pessoas se sentem obrigadas a intervir. Por um terceiro lado ainda, elas temem as possíveis consequências de suas intervenções.
Em uma condição assim, escrevem Darley e Latané, a presença de outros espectadores atenua os respectivos sentimentos individuais de responsabilidade e faz diminuir a velocidade de reação. Vejamos os números do experimento: sem diferença entre homens e mulheres, 85% dos indivíduos intervêm se estiverem sozinhos durante a emergência. Na presença de mais pessoas, esse percentual cai para 31%.
RACIONALIZAR A AÇÃO
Os pesquisadores acrescentam que a explicação do fenômeno reside mais na reação de cada indivíduo ao comportamento dos demais presentes do que em sua indiferença em relação à situação da vítima. Resumindo: é o comportamento do grupo que determina o retardo ou mesmo a inércia.
Isso acontece justamente porque a responsabilidade pela intervenção parece generalizada entre muitos, o que leva todos a perceberem-na como menos imperativa. O fenômeno se acentua quando o comportamento dos outros presentes não pode ser observado diretamente, ou seja, quando todos podem racionalizar a inação dizendo-se a si mesmos “alguém já está fazendo algo”.
Isso é notável em outro experimento no qual Darley e Latané emitiram fumaça em uma sala, o que poderia indicar um incêndio em curso, onde estavam um ou mais sujeitos. Resultado: se as pessoas estão sozinhas na sala, em 75% dos casos elas saem imediatamente para informar alguém sobre a emergência. Se estiverem em grupo, em apenas 10% dos casos alguém faz isso.
OS CONTRASTES
O efeito espectador, obviamente, não é justificativa para quem não ajuda. Compreender as razões, entretanto, cria um contraste, como afirmam Darley e Latané no final do artigo. As pessoas não são necessariamente alienadas, dizem eles. Se compreenderem as pressões que podem levá-las a hesitar e não intervir, elas têm mais chances de agir de forma diferente. Justamente por isso estou escrevendo sobre esse assunto.
Se você quiser saber mais, há uma página da Wikipedia muito abrangente, em inglês, que fornece um relato de pesquisas subsequentes e apresenta vários outros casos noticiados. Gostaria de salientar também que o efeito espectador pode ocorrer nos mais diversos lugares, situações e contextos. No local de trabalho, por exemplo, episódios públicos de assédio sexual, discriminação ou intimidação podem ocorrer.
Por falar em assédio sexual: em um TED Talk, Julia Shaw, do University College de Londres, afirma que em 93% dos casos de assédio sexual as vítimas relatam que o fato ocorreu na presença de outras pessoas. Na escola, o efeito espectador pode estar relacionado ao bullying também. Mesmo em hospitais, quando há muitas equipes médicas envolvidas em um atendimento, pode acontecer de nenhuma delas cuidar do paciente, efetivamente.
“LIKES” NÃO AJUDAM
Gostaria de assinalar mais um fato: as redes sociais, que, no fundo, nos transformaram em espectadores, acrescentam duas dimensões ao efeito espectador. A primeira, terrível, diz respeito à aprovação de atos violentos.
A segunda, menos aterrorizante, mas mais constrangedora, tem a ver com a atitude de dar um “like” para esta ou aquela boa causa, em vez de fazer uma intervenção concreta. As coisas não funcionam assim. Tanto que o Unicef, em uma campanha na Suécia, nos lembrou disso: “Likes não salvam vidas”. Leia o comentário sobre isso no site da revista “The Atlantic”.
Publicado originalmente no Nuovo e Utile e reproduzido aqui com autorização. Tradução: Sergio Vilas-Boas. [Annamaria Testa acaba de lançar novo livro: “Il Coltellino Svizzero”.
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