Uma semana após a cirurgia (remoção total, no meu caso), tive alta do Hospital de Sassuolo. A recuperação da cirurgia de próstata é lenta e incerta.
Em casa, me movia com dificuldade. Tinha uma sonda enfiada na uretra e uma bolsa de urina para carregar comigo aonde eu fosse.
Esse catéter é uma tortura permanente. Você se move e ele te diz: “Estou aqui! E farei o possível pra te enlouquecer”.
A mangueira não podia enroscar-se em nada porque a puxada provocava uma dor terrível no “pisello” (“pau”, em italiano). A posição menos desconfortável era deitado de barriga para cima, bem quietinho. A única posição em que sou incapaz de dormir.
VALORES E SENTIDOS
Em fases difíceis, um pensamento que nos vem à mente é o seguinte: “Por que eu?”. Não caí nessa. Enfatizei o que amo. Pessoas (Patty, amigos e amigas) que me apoiaram incondicionalmente.
Na primeira manhã em casa após a internação, preparei o café da manhã, arrumei a mesa e esperei pela Patty, que acordou depois de mim.
Demorei bastante para realizar essas tarefas tão simples, por causa da sonda me infernizando, mas ter conseguido realizá-las me emocionou. Tomar o café da manhã juntos é importante para nós.
UM SUSTO
No segundo dia em casa, o dreno parou de funcionar. A urina não fluía em direção à bolsa plástica. Mas saía pelas frestas possíveis em esguichos aleatórios. Uma urina sanguinosa e fedorenta.
Patty me levou ao hospital (1h15 de viagem daqui até lá). Meu maior medo era ter que remover a sonda e instalar outra. Seria internado de novo? Ah, não, isso não.
Mas era apenas um entupimento. Com uma seringa grossa e agulha longa, o urologista removeu os resíduos sólidos da cirurgia que estavam bloqueando a passagem.
SEM SONDA
Removida a sonda (uma semana após eu ter tido alta do hospital), comecei a enfrentar o primeiro efeito colateral da remoção total da próstata e dos dois tumores: a incontinência urinária.
Nas duas primeiras semanas em casa sem sonda eu fazia xixi como um recém-nascido. Nem me dava conta de que estava saindo. Trocava a cueca-absorvente-descartável a cada duas horas.
Sem a próstata, que funcionava como uma espécie de torneira ou válvula, a urina agora descia ininterruptamente, sem filtros, sem fim. Pior ainda quando eu me movimentava.
TESTES EMPÍRICOS
Eu sabia desse efeito colateral, mas uma coisa é saber, outra é experimentar. Acabei entendendo que não há uma ciência que resolva rapidamente o problema da incontinência.
Você tem de ir fazendo testes empíricos para ver o que funciona e o que não. Um exemplo: percebi que a quantidade de vazamento era menor quando eu me deitava de lado.
Outro: se eu não trocava a cueca-absorvente no momento em que estava cheia, eu me sentia encharcado. O vazamento não dava trêgua. Na “melhor das hipóteses”, gotejava, gotejava sem parar.
EXERCÍCIOS PÉLVICOS
A recomendação dos urologistas é investir na “ginástica pélvica”, ou seja, exercitar aquele músculo entre o ânus e os testículos, que é pouco usado por nós, homens.
Nós o usamos, por exemplo, para evitar soltar gases em momentos inoportunos. Então, se você consegue contraí-lo e relaxá-lo em harmonia com a tua respiração, ele pode ajudar a bloquear a saída de urina.
Faço esses exercícios com disciplina espartana. Três vezes ao dia. Em várias posições: deitado, em pé, sentado, etc. Séries variadas. Prendendo (e segurando) enquanto respiro ou enquanto expiro.
PROGRESSOS
Alguns progressos já são notáveis. Passados trinta dias da remoção da sonda não preciso mais acordar à noite para ir ao banheiro ou para trocar a cueca-absorvente.
Outro grande progresso: ao longo do dia, indo mais vezes ao banheiro (mesmo sem vontade), libero o xixi pelo método natural e exercito o músculo nas condições ideais.
Espero recuperar a continência ainda neste primeiro semestre de 2024. A idade conta a meu favor (tenho 58 anos). Minha musculatura pélvica funciona bem. Preciso reativá-la e dominá-la.
PROGNÓSTICOS
Lá para maio ou junho espero não precisar mais de cuecas-absorventes. Talvez precise apenas de pequenos absorventes em forma de concha que se aderem na parte da frente das cuecas te tecido.
Ou nem uma coisa nem outra. Difícil prever. Cada caso é um caso. O importante é manter-me engajado no processo de recuperação, testando, avaliando, aperfeiçoando.
Fiz o exame PSA (sangue) dia 2 de abril de 2024. Sem próstata, a expectativa era que os resultado fosse zero-vírgula-zero-alguma-coisa. Deu 0,01, sinal de cura, mas não a prova definitiva. O tempo dirá.
DECISÃO CERTA
No final de 2023, meu urologista-cirurgião – dr. Giovanni Castagnetti – me havia oferecido duas opções de tratamento: prostatectomia radical ou cinquenta sessões de radioterapia.
Se eu optasse pela remoção total da próstata (e de seus dois tumores, obviamente), a cirurgia poderia ser feita pela técnica tradicional (“método aberto”) ou por robótica.
Os três tratamentos/técnicas tinham mais ou menos os mesmos efeitos colaterais. Mas no Hospital de Sassuolo, onde eu vinha sendo acompanhado, a única técnica cirúrgica disponível era a “aberta”.
Escolhi esse método por duas razões: 1ª) dr. Castagnetti (65 anos) me inspirou total confiança; 2ª) na região da Itália onde moro a cirurgia por robótica não era oferecida pelo SUS italiano.
Tomei a decisão certa. Me sinto bem. De qualquer forma, ainda terei de enfrentar o segundo efeito colateral da prostatectomia: a disfunção erétil (escreverei sobre isso no momento oportuno).
+ DOIS TEXTOS
Leia os textos anteriores sobre a minha experiência com a “prostatectomia radical”:
Querido Sérgio, repito aqui o que já te disse: essa experiência precisa se transformar em livro. Relato belo e profundo. Que você siga se recuperando. Não sei por qual razão não recebo mais a news, mas vou me inscrever novamente.
Bjs e fica bom logo!
Sergio, quanta espontaneidade! Parabéns pelo conteúdo e pela coragem nesse relato direto ao ponto. Vou agradecer Thilde pela dica. Ótima recuperação pra vc!