A atenção é um ativo valioso e por isso há tanta gente (profissionais e amadores) competindo para sequestrar e aprisionar a nossa. Somos assediados permanentemente por distrações diversas – dos primeiros minutos do dia ao instante em que recostamos a cabeça no travesseiro para dormir. Essa profusão de chamados e convites potencializa o estresse. E o estresse debilita exatamente uma das capacidades de que mais precisamos nesse mundo hiper-tecnológico frenético: a capacidade de focar. Pesquisas recentes indicaram que nossa mente vagueia 50% do nosso tempo acordado. Ou seja:
- estamos girando nossa lanterna na imensidão do espaço sem conseguir iluminar coisa alguma durante pelo menos oito das vinte e quatro horas do dia;
- durante essas oito horas não vivenciamos, nem pensamos, nem abstraímos, nem contemplamos nada em específico;
- é preocupante o fato de estarmos tanto tempo “fora de foco”.
As consequências da desatenção são sérias, independentemente de nível de renda, faixa etária ou nacionalidade. Em contextos dispersivos são mínimas as chances de a sensatez e o discernimento vencerem o imediatismo e a ignorância. Correm mais riscos quem trabalha com atividades que exigem grande concentração (cirurgiões e controladores de voo, por exemplo).
JOVENS
E as crianças? E os adolescentes? Pois é. Expostas cada vez mais cedo a aparelhos dispersantes – ainda que potencialmente instrutivos também – crianças e adolescentes são os mais desatentos, segundo pesquisas. O “déficit de atenção” (ou seja, a evidente dificuldade de se deter em alguma coisa para poder gerar outra) é uma epidemia.
Não é por acaso que o tema da maioria dos livros de autoajuda hoje em dia seja “o agora”. Fala-se em assimilar, experimentar, aproveitar, sentir, aprofundar, enfim, viver o agora. Hummm… A cultura ocidental é frágil nesse quesito. Somos educados para o individualismo e a acumulação. Ficamos à espera de um dia podermos, finalmente, curtir “o verdadeiro lado bom da vida”. Mas com as nossas sensibilidades ou perdidas ou direcionadas para o vazio esse tal dia nunca chega.
DUPLA DIMENSÃO
Nesse ponto, vale relembrar as duas dimensões de tempo com as quais lidamos:
1) O arco de tempo longo, que é o tempo biológico da vida;
2) E a experiência direta, que é o momento presente.
O Eu que vive a experiência só pode existir durante a experiência, enquanto o Eu que observa, memoriza, reflete e narra precisa de uma sequência longa de momentos. Dito de outro modo: não é possível agir e refletir simultaneamente. Nosso senso de caráter se baseia tanto em experiências de imersão quanto no passar do tempo biológico.
Claro que o tempo total (médio) de vida biológica tem aumentado ano após ano, graças aos avanços da ciência e às mudanças de hábitos. Mas o que aconteceu com aquela medida menor da vida (o momento, o instante presente)? Ela simplesmente encolheu. Abriu-se, então, uma fenda entre o vivido (o tempo da experiência) e o mensurado (o tempo das células). E o tamanho dessa rachadura só tende a aumentar, afirmam os especialistas.
AQUI, LUGAR NENHUM
Para ver as coisas com maior racionalidade e sensibilidade, precisamos ser capazes de perceber o grande arco de tempo que nos liga ao passado, ao presente e ao futuro. No entanto, você já percebeu quantas vezes ao longo de um dia a gente se sente como se estivesse “aqui” e ao mesmo tempo “em lugar nenhum”?
Concordo com você: é uma sensação horrível estar exausto no final do dia sem nem ao menos acreditar que realizou algo que seus conceitos pessoais aceitem como “relevante”. Reflita sobre os momentos em que pulamos daqui para ali e de lá para não-se-sabe-onde-nem-quando. Sim, está cada vez mais difícil prestar atenção.
O sistema educacional continua organizando a nossa mente para o amanhã, em ordem cronológica, enquanto a era digital organiza tudo de modo reverso, do mais recente para o mais antigo, fragmentando a nossa capacidade de memorizar e estabelecer correlações. É como se estivéssemos tentando viver “tudo ao mesmo tempo agora” (sic)… Como esse objetivo é humanamente inviável, a frustração toma conta.
AUTOCONTROLE
Como escapar? Minha única certeza é que é inútil ficar lamentando o caráter invasivo da tecnologia em nosso cotidiano. Precisamos é de estratégias de autocontrole – como fazemos, aliás, com outras “tentações”. Para ajudar a manter nossa atenção ativa, Mindfulness (Atenção Plena) é a técnica da hora. O assunto está em toda parte: empresas, academias, clínicas, escolas. Parece meditação? Na verdade, é meditação.
A ideia é manter uma percepção momento-a-momento dos nossos pensamentos, sentimentos, sensações corporais e do ambiente circundante. Isso implica aceitação: a gente tem que prestar atenção aos inputs sem julgá-los, sem achar que existe o certo e o errado em matéria de pensar/sentir. A prática da Atenção Plena nos sintoniza com a nossa respiração. A respiração é a prova mais concreta de que o tempo presente realmente existe.
Amishi Jha, pesquisadora da Universidade de Miami, testou os efeitos dessa técnica em grupos submetidos a intenso estresse, como atletas e militares. Descobriu que a atenção dos indivíduos treinados para a Atenção Plena se manteve estável mesmo sob as piores condições. Segundo Jha, há outros benefícios associados. Por exemplo, reduzir a ansiedade, evitar a depressão recidiva e melhorar a memória operacional.
ATENÇÃO PLENA
Mindfulness está fazendo uma diferença incrivelmente positiva na minha vida. Até a minha capacidade de dormir melhorou como nunca. Quando me bate aquela sensação de confusão mental – quando os meus pensamentos começam a se contradizer e se chocar –, uma espécie de luz amarela se acende e eu então digo a mim mesmo: “Ei, ei, calma, respire calma e profundamente”. E me pergunto: “O que está acontecendo agora, neste exato momento?”.
Ao agir assim, sinto que estou removendo os aditivos psicoemocionais malévolos que eu próprio insiro e que ajudam a tornar ainda mais insustentável a eventual dificuldade que estou enfrentando. A situação então volta a ser o que ela é; volta a ter a dimensão que tem; retorna ao grau de normalidade. Pouco a pouco, sem dogmas nem receitas tolas, a gente vai compreendendo um aspecto fundamental da existência: para cada possibilidade existe um limite (e vice-versa). A atenção é um ativo valioso não apenas para os outros, mas para nós mesmos.
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