O tempo não é um objeto ou substância que podemos tocar ou ver. Também não é uma quantidade, um conceito ou uma dimensão. É inerte: nem rápido nem lento; nem claro nem escuro; nem bom nem mal. Na prática, é uma invenção para nos ajudar a acompanhar os fatos. Evitamos desperdiçá-lo porque acreditamos que ele se move sempre para a frente; e porque não podemos fazer muita coisa em relação ao que passou, exceto extrair algumas lições.
A gente costuma dizer, mesmo sabendo que não é uma verdade verdadeira, que o tempo voa quando estamos nos divertindo; e que ele se arrasta quando cumprimos uma obrigação. Porém, o tempo em si não se (des)acelera para nos favorecer ou para nos prejudicar. Infelizmente. Então, grife aí: o tempo é a percepção que temos do tempo; é a percepção que temos do que é o tempo segundo as nossas vivências, memórias e afetos.
RELAÇÃO CONFLITANTE
Durante muitos anos mantive uma relação conflitante com o tempo. Meu corpo expressava esse conflito: tinha o semblante cansado, com olheiras; me deslocava a pé rapidamente, mesmo sem necessidade; situações de muita indecisão me causavam palpitações, como se me aprisionassem; trabalhava em várias frentes – era multitarefa muito antes de essa palavra se tornar um conceito; e me sentia constantemente em atraso, embora fosse (sempre fui muito) pontual.
Que estranho, não? Minha correria não tinha como objetivo ganhar mais dinheiro ou ter mais tempo livre. Então, por que eu evitava as lentidões? Por que eu tentava acelerar os acontecimentos? Talvez por algum vazio interior, que eu procurava ocupar com mil funções sociais, a fim de me impedir de… Pensar sobre o meu vazio interior. Compartilhei isso com você não para fazer autoanálise, mas para te reconduzir ao ponto chave: o entendimento e o domínio do tempo são questão de percepção.
Quando você dirige em uma autoestrada a 50 km/h você tem a impressão de estar indo muito mais devagar do que quando dirige a 50 km/h em uma zona urbana. Ora, se a velocidade é a mesma, o que mudou? Mudou o modo como a sua mente leu a paisagem, os pontos de referência (prédios, árvores, sinalizações, pedestres, outros carros se movendo, comunicações visuais, etc.). Tempo e movimento estão intrinsecamente conectados.
ALIADO OU INIMIGO?
Como utilizamos o tempo e se o vemos como um aliado ou um inimigo são fatores decisivos para o bem-estar e para a criatividade, e isso tem relação direta com hábitos e costumes também. Pesquisas demonstraram que experiências novas parecem estar acontecendo mais lentamente porque elas estão ainda em processo de registro em nosso cérebro. Por outro lado, quanto mais realizarmos a mesma atividade, menos o cérebro a percebe. Atos mecânicos – andar de bicicleta, por exemplo – são “esquecidos”.
Lutar contra o tempo ou (ignorá-lo) é uma atitude restritiva. Não há problema em se preocupar com quanto tempo se leva; nada de errado tampoco em se perguntar sobre como fazer certas coisas com rapidez e eficiência; nada de mais em tratar o tempo como uma das referências principais de vida; e também é legítimo querer retardar/acelerar processos cotidianos com um timing preciso.
Cada um tem uma relação diferente com o tempo e que assim seja. Algum problema pode surgir, no entanto, se você nunca conceder a si mesmo uma pausa para observá-lo. Se não o observamos, ele nos atropela. Uma aliança com o tempo pressupõe respeitar os compassos e os andamentos, como músicos lendo partituras. Sim, não é fácil aprender a se preocupar menos com as coisas inevitavelmente demoradas e aceitar sem drama as que de fato não podem ir mais rápido do que estão indo. Mas temos de acertar os ponteiros.
FONTE RESTRITA
Recebemos “de presente” somente uma quantidade limitada dessa fonte inesgotável chamada tempo (e que expira a cada segundo). Ter alguma perspectiva temporal, qualquer que seja, pode fazer a diferença, positivamente, afirmam psicólogos e pesquisadores; ser capaz de dividir o fluxo das nossas experiências em épocas, zonas, categorias, etc., demarcando-as com etiquetas/códigos criados por nós mesmos, pode nos ajudar a enfrentar mais facilmente os obstáculos e nos deixar em paz com o presente.
O psicólogo Philip Zimbardo acredita que, para o tempo tornar-se nosso aliado, precisamos nos orientar em relação ao passado, ao presente e ao futuro, igualmente. Há quem se preocupe somente com a situação imediata, com o que está sentindo e com o que os outros estão fazendo/pensando. Há os que desconsideram o presente porque só o passado importa. E há os que priorizam o futuro (tentam planejar, calcular, prever, enfim, se antecipar às possíveis consequências).
“Existem duas maneiras de ser orientado para o presente, duas maneiras de ser orientado para o passado e duas para o futuro”, diz Zimbardo. “Podemos dar ênfase no passado positivo ou no passado negativo. Podemos ser presente hedonistas (enfatizar os prazeres imediatos) ou presente fatalistas (acreditar que, não importa o que fizermos, forças externas nos controlarão, sempre). Podemos ser planejadores ou pensar em um futuro transcendental – na vida após a morte, por exemplo.”
CRENÇAS E GRADAÇÕES
Cada um de nós é cocriador da sua relação com o tempo em termos de crenças, fronteiras e gradações. Mas haveria um “perfil temporal ideal”? Zimbardo acredita que sim. “As gradações seriam: alta em passado positivo, moderadamente alta em futuro e moderada em presente hedonista. Sempre baixa em passado negativo e em presente fatalista.” A mistura temporal ideal, segundo ele, engloba: 1) o passado positivo, que nos conecta com quem realmente somos; 2) o ideal de futuro, que nos fornece asas para atingir destinos novos; e 3) o presente hedonista, gerador da energia necessária para explorar os prazeres da vida.
Aprender a lidar com o tempo é um processo às vezes conturbado, mas essencial, porque, no jogo da vida, a gente escolhe o que alcança, recebe o que (não) espera e entrega o que transpira. Sabemos que tudo acaba: o amor, o ódio, o bem, o mal, o belo, o feio, etc… O tempo (ou a percepção que temos do tempo), ao contrário, não acaba nunca. Acreditar que o tempo derrota toda ilusão é um equívoco. Nossa memória está sempre aí para nos provar o contrário. Nossa memória, aliás, contém todos os tempos.