Compromisso não tem o mesmo significado para todas as pessoas e, para se comprometer, não basta dizer “estou nessa”. Comprometer-se não é uma declaração de valor/missão. O compromisso vai muito além da promessa. E por que é tão difícil assumir? Antes de tudo porque prometer é fácil. Você promete se comportar de determinado modo, promete atingir resultados tais, promete que dessa vez será diferente. No fundo, porém, a gente tende a recusar o processo necessário para ir de um ponto a outro.

Quantas vezes me comprometi com alguma coisa importante e acabei desistindo? Inúmeras. As razões? Várias. Sintetizo-as mais ou menos assim: abandonei ou porque não estava realmente a fim ou porque na época eu não tinha a base material e psicológica que o “projeto” exigia. Em outras palavras, o desejo e a ambição estavam presentes mas meu hardware me traía. Minha mente rejeitava alguma parte do duro percurso que tinha pela frente (ou mesmo o percurso inteiro, em alguns casos). E quando o querer não é completo, há o risco de a gente se boicotar.
RENDIÇÃO/ACEITAÇÃO
Você quer ter seu próprio negócio, por exemplo, sonha com isso, fala sobre isso o tempo todo e decide encarar. No caminho, porém, a realidade pode te cobrar mudanças de mentalidade; a realidade pode te informar que, sendo você essa pessoa que você sempre acreditou ter sido, não vai dar. Quando a realidade se impõe sobre nós e nos surpreende, que resposta damos, na maioria das vezes? Inventamos desculpas e justificativas para pular fora.
A desistência em si não é um problema. Desistir é tão legítimo quanto continuar. Mas se, ao desistir, te fica uma sensação de… derrota, então talvez você tenha se boicotado. Exemplo: querer dirigir filmes somente para se tornar famoso/célebre – ou seja, dar mais importância ao lugar de destino do que à viagem – tem um preço (alto). O compromisso é genuíno quando enfrentamos o conjunto dos fatores e quando damos pouca importância ao “se”, ao “mas” e à “glorificação”.
Bem, se isso ecoar dentro de você como uma espécie de rendição/aceitação, não terá sido por acaso. Comprometer-se é render-se à imprevisibilidade e, apesar dos obstáculos, mover-se continuamente na direção proposta. Aceitar o próprio eu também é fundamental. Quando verdadeiramente compromissados, deixamos de ser fantasmas, tiramos a máscara daquele alguém que nunca fomos e vestimos o uniforme de batalha.

FRUTO GENUÍNO
Acompanhe: antes de se comprometer com alguém ou algo saiba que você precisa estar “casado de papel passado” (risos) com você mesmo. Só assim você poderá ver o mundo em sua infinidade de tons, mais ou menos como ocorre com Amilcare no conto “A aventura de um míope”, de Italo Calvino. A vida de Amilcare “torna-se cem vezes mais rica em interesses do que antes” quando ele põe os óculos pela primeira vez.
Se você parar para analisar perceberá que o compromisso genuíno por si só já é um fruto, independentemente dos resultados que você possa colher. O seu envolvimento, o vemos em toda parte; e sentir-se convincente (acreditado) é uma das emoções mais fulgurantes da existência; é a nossa vida encontrando o seu verdadeiro significado e expressão.
Atingido o ponto de rendição ao processo, podemos nos dedicar à “causa” escolhida. Alguns compromissos são amplos, como ir morar sozinho(a), mudar de emprego, promover a sustentabilidade, divorciar-se (finalmente); outros são específicos – comparecer ao encontro marcado na hora marcada ou cumprir o pacto de passar o próximo sábado e domingo estudando em vez de namorar.
PAIXÕES
Já notou que a nossa cultura (ocidental) é muito dada a paixões? Uma das frases que a gente mais ouve é “sou apaixonado por” antes de um nome, uma ideia, uma habilidade, um prazer, um talento. E como essa frase reverbera por aí? Te respondem assim: “Então, siga a sua paixão, ora”. Mas é um conselho frágil. Paixões são necessárias e benéficas mas não necessariamente envolvem compromisso.

Exemplo: tempos atrás, eu acreditava que era “apaixonado por” escrever, mas, enquanto fui simplesmente “apaixonado por” escrever, não escrevi nada que verdadeiramente refletisse quem sou. Daí me lembrei da letra da canção-tema do filme “Flashdance” (1983), que tem sido bastante reinterpretada por jovens talentos, como a brasileira Marcela Mangabeira.
A letra declara o quão belo, produtivo e irradiante é o sentimento de estar fazendo aquilo de que mais se gosta (no caso, dançar). [A propósito: sobre “o maravilhoso estado mental em que a pessoa fica totalmente imersa e envolvida em uma atividade, dando o máximo de si muitas vezes sem nem perceber”, leia “A Descoberta do Fluxo”, do psicólogo húngaro-americano de nome impronunciável: Mihaly Csikszentmihalyi.]
CONSCIÊNCIA DE IMERSÃO
Voltando: apesar de bater na tecla da crença na paixão como centelha inescapável, a canção “What a feeling” afirma o que acredito: “Take your passion/ and make it happen”. Sim, make it happen! Faça-a acontecer! Porque paixões todo mundo tem. Tivemos tantas e teremos incontáveis outras até que a morte nos separe. No entanto, as paixões tendem a ser fugazes.
Te garanto: escrever é uma das coisas mais importantes da minha vida, mas faz tempo que a escrita não me apaixona. Contradição? Nenhuma. Apenas migrei o meu olhar: das coisas pequenas que parecem grandes para as coisas grandes que parecem pequenas (ou que sequer são percebidas). Foi essa migração que me permitiu terminar este artigo, por exemplo.
A propósito, leia “A Descoberta do Fluxo“, do psicólogo húngaro-americano de nome impronunciável: Mihaly Csikszentmihaly. Seu livro fala do maravilhoso estado mental em que ficamos completamente imersos/envolvidos em uma atividade que espelha quem realmente somos.