Ligar o foda-se também é importante. Mas, antes de tudo, vejamos: você já notou que os conselhos mais comuns para uma vida bem vivida – aquelas mensagens positivas e otimistas de autoajuda que a gente escuta o tempo todo – se concentram no que a gente não possui? Pois é isso: a indústria da autoajuda parte do princípio de que cometemos erros, que não fizemos o que deveríamos ter feito e que, no fim das contas, não passamos de um bando de fracassados (risos), e isso torna os problemas ainda maiores.
Os autores-gurus pressupõem, por exemplo, que não temos dinheiro, queremos tê-lo e portanto precisamos aprender a ganhá-lo (como se o dinheiro em si fosse um objetivo universal); ou que não somos belos, queremos sê-lo e portanto precisamos dar um jeito de ralar na academia ou fazer cirurgias para entrar nos conformes; ou que não somos capazes de gerenciar o nosso tempo e, como isso não pode continuar assim, devemos corrigir essa falha o quanto antes.
FIXAÇÃO NO POSITIVO
Se você observar com atenção, verá que existe uma fixação no positivo, no que é melhor/superior, de maneira que a gente nunca se esqueça do que nos falta – e parece nos faltar tudo (risos). A base da cultura do consumo é criar necessidades não necessariamente necessárias. Até aí nada de novo. Então, repensando o problema: e se a gente precisasse de menos? Ou melhor: e se a gente se importasse menos com os nossos “defeitos”?
Sabe-se que tudo o que é socialmente obrigatório (feito mais para agradar os outros do que a nós mesmos) cria uma espiral autodestrutiva. Quer ver? Amanhã você tem de apresentar um produto/serviço aos seus clientes e não por acaso está muito preocupado e ansioso. Essa ansiedade vai te dominando e você começa a se perguntar por que diabos está tão ansioso. E a ansiedade em relação à sua própria ansiedade te gera, obviamente, mais e mais ansiedade. O escritor Mark Manson chama isso de Círculo Vicioso Infernal.
PARE DE SE ODIAR
“Nos tempos de nossos avós”, ele escreve, “quando eles ficavam na merda, pensavam: ‘Puxa, estou me sentindo o cocô do cavalo do bandido’. Bem, é a vida! Vou voltar para a minha lavoura. E hoje? Hoje em dia, se você fica na merda por cinco minutos que seja é bombardeado com trezentos e cinquenta imagens de gente absurdamente feliz e com uma vida maravilhosa da porra e é impossível não sentir que tem algo errado com você”.
Perguntar-se “o que há de errado comigo?” ou “qual é o meu problema?” acelera ainda mais os malefícios do Círculo Vicioso Infernal, segundo Manson. Tendo a concordar. Quando a gente está pouco se lixando para o que os outros acham que deveríamos fazer para estarmos “adaptados” o tal Círculo entra em parafuso. Porém, isso não significa que nada tenha importância. Significa apenas que você interrompe o processo de odiar a si mesmo por se sentir mal, fraco, confuso, derrotado, etc.
ESFORÇO INVERTIDO
Quanto mais você tenta se sentir bem o tempo todo, mais insatisfeito você fica, porque a busca por alguma coisa só reforça o fato de que você não a possui (é a “lei do esforço invertido”, com dizia o filósofo Alan Watts). O escritor Albert Camus, por sua vez, afirmou com segurança: “Você nunca será feliz se insistir em tentar descobrir o que é a felicidade. Você nunca viverá se estiver procurando o sentido da vida”.
Com menos preocupações parece que as coisas fluem melhor, não?
As coisas realmente importantes na vida possuem um sentimento negativo associado a elas, criado por nós mesmos, sublinha Mark Manson: “Toda tentativa de escapar do negativo, evitá-lo, suprimi-lo ou silenciá-lo sai pela culatra. Evitar o sofrimento é uma forma de sofrimento. Evitar dificuldades é uma dificuldade. Esconder o que é vergonhoso é, em si, causa de vergonha”. A única solução – supondo que precisamos de uma – é ligar o foda-se.
QUESTÃO DE DESAPEGO
Não há nada de excepcional ou mágico nisso; tampouco estamos sugerindo que você se torne invulnerável ou indiferente. Trata-se apenas de mais uma questão de desapego, de ficar em paz com as suas adversidades e limitações. Até porque as maiores verdades são as mais desagradáveis de se ouvir. Por exemplo, estas:
- Não existe vida sem problemas;
- Os problemas nunca acabam;
- A solução de um problema é o início do próximo;
- A solução para os problemas de hoje serão a base dos problemas de amanhã e assim por diante.
Então, aquela iluminação idealista do êxtase eterno e do fim de toda a dor é uma falácia, para não dizer “uma babaquice”. Ela só serve para realimentar o Círculo Vicioso Infernal. Os problemas são apenas reatualizados ou substituídos por outros. “A ideia não é fugir das merdas. É descobrir com qual tipo de merda você prefere lidar”, afirma o irreverente Manson.
ESTÁ DISPOSTO?
Eu (hoje) prefiro lidar com os problemas decorrentes de: morar noutro país; estar casado há 25 anos; não ter tido filhos; curtir pequenos prazeres; contemplar/ meditar mais; ganhar a vida de algum modo (não como escritor); continuar sendo escritor apesar de tudo, etc., etc. Enfrentemos outra verdade inescapável: o que nos proporciona experiências positivas hoje definirá também as negativas de amanhã e vice-versa.
“Esse conceito é difícil de engolir”, argumenta Manson. “Nós gostamos de pensar que existe uma felicidade derradeira a alcançar. Gostamos de pensar que é possível alcançar um alívio permanente do sofrimento. Gostamos de pensar que é possível se sentir para sempre pleno e satisfeito com a vida. Mas não é. Em vez disso, pergunte-se: qual dor você quer na vida? Pelo que você está disposto a lutar?”
SER FELIZ?
Os mais jovens costumam dar um significado absurdamente elevado até para coisas que depois se revelam insignificantes. Porém, conforme envelhecemos, começamos a perceber que grande parte daquelas complicações todas não interfere em nada na nossa vida. A satisfação exige esforço, e é impossível ganhar sem jogar. Ou você acha que em algum momento terá permissão para parar tudo e apenas ser feliz?
Então, liguemos o foda-se (porque ligar o foda-se também é importante) para:
- O ideal de felicidade
- A obsessão pelo sucesso
- O trabalho gratificante/edificante
- O reconhecimento que não veio
- As aparências enganosas
- O fim do amor
- O sexo perfeito
- O lado bom de tudo
- O medo paralisante
- As pessoas insuportáveis
- As crenças inabaláveis
- A política miúda
- O sentido da vida
- A física quântica
- A ditadura da alegria (se quiser, substitua esta por “Carnaval”).
O tio Siddharta falava que “toda a dor vem do desejo de não sentir dor”. Talvez ele queria apenas dizer que, como os problemas fazem parte da própria natureza humana, a gente não devesse se preocupar tanto com eles.
Excelente texto. É o que decidi começar a fazer.
Boa ! Liberte-se ! Abraço, Sergio
Excelente texto. A melhor coisa que fiz na vida foi parar de proucurar por auto-ajuda e ligar o foda-se pra tudo, é simples.
olá, Daniel. Obrigado pela mensagem. Então, não acho “autoajuda” um problema em si. Nós (humanos) sempre nos auto-ajudamos… rs… Mas querer “vender” soluções fáceis… bem, isso é outra coisa. Abraço!
Muito bom. Ultimamente, os gurus, os coachs, os menotores proliferam como moscas no verão. Arrisca abrir a tampa da privada e sair um coach pra me ajudar a encontrar o meu propósito.
Olá, obrigado por manifestar-se. De fato, parece que atualmente há um exagero em tudo o que se refere a “entrar na linha”. Abço, Sergio
Certamente ligar o foda-se é muito necessário para manter a sanidade mental. Nos últimos anos fui quase engolido por uma avalanche de problemas e frustrações e desapegar e deixar a coisa rolar foi o caminho.
Continuo tendo que ganhar dinheiro para viver e pagar as contas, mas me doer tanto por isso ou pelos eventuais apertos financeiros não adianta nada e o que posso fazer é enfrentá-los, afinal não vou levar nem meus bens e tão pouco meus boletos para a tumba, não é verdade?!
verdade absoluta, Lucas.
Abraço, Sergio