Basicamente, sucesso é um resultado alcançado após uma jornada de dificuldades. Não existe sucesso a priori (porque é um processo), tampouco sem percalços. Os casos vitoriosos incluídos em livros de autoajuda e biografias narram o que os protagonistas escolheram realizar: criar um produto inovador, dar a volta mundo em um barco a vela, ver a própria arte elogiada por especialistas do mundo inteiro, etc. Nossas batalhas diárias não são vistas como heroicas ou disruptivas, e ninguém conquista medalha de ouro per ter sobrevivido a um acidente de carro, por exemplo. Então, para começarmos a desmistificar o tema, sugiro sublinharmos: 1º) Sucessos são vitórias parciais; 2º) É impossível ter sucesso em tudo; 3º) Para se sentir “feliz”, ninguém precisa de uma vitória ímpar.
O QUE APRENDI
Aprendi que sucesso não é um momento mágico no qual todas as peças se encaixam e uma sensação de alegria se instala dentro de você para sempre. Houve um tempo em que acreditei realmente que eu enviaria uma nave ao espaço, desafiando a minha própria natureza, até que ela flutuasse na atmosfera e eu só precisasse monitorar os instrumentos (risos). Aprendi também: que os fracassos ocorrem com mais frequência que os sucessos, o que significa que você tem mais oportunidades de aprendizagem/reavaliação do que imagina; que ter vencido uma batalha não garante vitória na próxima; que toda jornada, dependendo do desenrolar, pode atingir um ponto no qual desistir é a melhor opção (valorize tuas intuições). Mas a lição mais difícil foi admitir que autodeterminação não basta. Na maioria dos casos, você precisa ser obsessivo(a) e ter sorte (não estou brincando).
Acreditei também que teria de lutar somente as nobres batalhas que escolhi. Que tolo! Somos frequentemente forçados pelas circunstâncias a enfrentar lutas duríssimas, que teríamos preferido recusar, se pudéssemos. Esses combates involuntários, geralmente prolongados (e que têm a ver com a tua formação psicológica), drenam boa parte da energia que você precisa para alcançar teus objetivos centrais. Mas… o que são objetivos centrais? Se o sucesso é uma escolha pessoal, as definições tendem a ser pessoais também. Dito de outro modo: sucesso é o que você acha que é? Sim. Contudo, teu conceito será sempre pautado por expectativas de completude (leia-se: segurança, saúde, amor e/ou sentido, enfim, “felicidade“).
PRIMEIRAS QUESTÕES
“Há algo muito errado com o modo como entendemos o sucesso”, escreveu Malcolm Gladwell em “Outliers – Fora de Série”. Qual é a pergunta que sempre fazemos sobre as pessoas bem-sucedidas? “Queremos saber como elas são: personalidade, nível de inteligência, estilo de vida, histórico familiar, habilidades, talentos, etc. E presumimos que essas qualidades individuais explicam o sucesso delas. Nas memórias de bilionários, empreendedores, astros do rock e celebridades a ladainha é sempre a mesma: nosso herói nasce em circunstâncias modestas e, graças ao seu talento e à sua garra, abre caminho até o topo. Na Bíblia, José é vendido como escravo pelos irmãos, mas, em virtude de seu brilho e capacidade, torna-se o braço direito do faraó.”
Valorizamos o self-made man e a self-made woman, pessoas que, dizem-nos, “chegaram lá sozinhas”. Sim, o senso comum associa o sucesso a esforço pessoal, unicamente. Raros os que dirigem o olhar e os sentidos para os coadjuvantes/coautores das realizações. Não importa quem seja ou o que tenha feito, uma pessoa não é, não foi, não poderá ser self-made. Isso é humanamente impossível. Os vencedores, escreve Gladwell, são sempre beneficiários de vantagens ocultas, oportunidades extraordinárias e legados culturais que lhes permitiram aprender, trabalhar duro e entender o mundo de uma forma que outros não conseguiram: o lugar e a época em que crescemos fazem toda a diferença, e a cultura (o ambiente) molda nossas realizações muito mais que do imaginamos. Não, meritocracia não é assunto banal.
Como personalizamos muito o sucesso, perdemos oportunidades de elevar outros indivíduos igualmente competentes a degraus mais altos. Criamos regras que tornam as conquistas inviáveis. Descartamos prematuramente pessoas vistas como “fracassadas”. Admiramos (de modo exagerado) os bem-sucedidos e demonstramos excessivo desprezo por quem não triunfa. Acima de tudo, fazemos vistas grossas ao importante papel que todos nós desempenhamos – como sociedade – na determinação de quem chegará ao topo e quem não.
Malcolm Gladwell, autor de “Outliers – Fora de Série”
SENSIBILIDADES E GENES
Entenda que quanto mais fora do padrão mental vigente você estiver, mais você terá de avaliar bem onde fincar os teus pés. Hoje sabe-se que a maioria das crianças são como dentes-de-leão e que algumas (uma minoria) são como orquídeas. Os dentes-de-leão não são as flores mais bonitas do mundo, mas são resilientes, vicejam em qualquer lugar, mesmo com pouco ou nenhum cuidado, e ficam bem onde estiverem. As orquídeas, não. Sem cuidados adequados, elas murcham e morrem. Quando protegidas em estufas e tratadas com carinho, no entanto, transformam-se nas flores mais lindas de que se tem notícia. Por analogia, as crianças-orquídeas jamais florescem à beira da estrada e não são sensíveis apenas aos resultados negativos. São sensíveis a tudo. Questão genética.
“Os genes que nos causam os maiores problemas – comportamentos autodestrutivos e antissociais, por exemplo – também estão por trás da fenomenal adaptabilidade humana e do nosso sucesso em termos evolutivos, como espécie. Em ambientes negativistas e com pais negligentes, as crianças-orquídeas podem acabar ansiosas, deprimidas, viciadas em drogas ou presas. Em ambiente adequado e com pais amorosos, podem estar entre as pessoas mais criativas e bem-sucedidas, escreveu David Dobbs em artigo na “The Atlantic”. Note que o sucesso envolve fatores intrínsecos (escolhas e decisões, humores, perdas, etc.) e extrínsecos (genéticas, mentores, relacionamentos, etc.). As habilidades pessoais, quando combinadas com fatores externos, potencializam nossas chances.
RENÚNCIAS E ALINHAMENTOS
Ainda não conheci ninguém que tenha vencido todas as lutas (as escolhidas e as que lhes foram impostas pelas circunstâncias), mas persiste a crença de que o sucesso pode ser estudado, ensinado e replicado. O crescente interesse por biografias de ricos e famosos e por autoajuda miraculosa indica que a vontade de vencer é universal (e lucrativa). Mas esses produtos culturais parecem acreditar que é possível “ter sucesso na vida como um todo”. Não é. Enquanto estamos focados em vencer uma batalha importante, tendemos a minimizar nossa participação em outros âmbitos da vida. Lembrei-me agora de uma frase do escritor naturalista Henry David Thoreau (1817-1862) que traduz isso bem: “O preço de qualquer coisa é a quantidade de vida que trocamos por ela”.
A essa altura, você já deve ter entendido que teu sucesso não dependerá somente de você, mas ainda há quem conte a si mesmo histórias narcísicas do tipo “sou bem-sucedido porque sempre fui e assim serei”. Uma pessoa assim precisa de ajuda psicológica (risos). Seria mais sensato acreditarmos que somos bem-sucedidos (eventualmente) porque estávamos em um ambiente no qual as tendências, as predisposições, as aptidões e as capacidades se alinharam perfeitamente com o que era necessário para produzir sucesso naquele – naquele! – cenário. Nada garante que aquelas condições poderão ser (ou serão) reproduzidas noutro cenário. A obsessão pela “medalha” nos impede de dar a devida importância a esses alinhamentos tão previsíveis quanto aleatórios.
AMBIGUIDADES E ADAPTAÇÕES
Os empresários do Vale do Silício se tornaram ícones do século 21. Admirados e respeitados, são descritos com hipérboles que beiram o estereótipo: energia hiperconcentrada, pouca necessidade de dormir, adoram riscos, detestam idiotas, são confiantes e carismáticos, quase sempre um pouco insolentes, com ambições infinitas, inquietude incomum e dinamismo irrefreável. Essas mesmas características, que até me soam fidedignas, estão associadas a um estado clínico chamado hipomania. O psicólogo John Gartner, da Universidade John Hopkins, estudou o assunto. Mostrou que as características hipomaníacas dos caras do Vale do Silício não eram simples coincidência. A mania, em seu grau mais desenvolvido, impede as pessoas de funcionarem. A hipomania, não.
A hipomania produz uma máquina implacável, eufórica, impulsiva e realizadora, embora talvez frouxamente conectada com a realidade. Esses mesmos empresários da Califórnia minguariam em ambientes previsíveis, monitorados e rígidos. O mesmo se pode dizer de indivíduos com elevado nível de autoconhecimento, que se saem muito bem em cenários nos quais os caminhos estão bem definidos e os feedback são claros, mas perdem-se completamente quando não encontram esses dois fatores. Sim, a gente deveria escolher o ambiente onde a melhor versão de nós mesmos possa fluir plenamente, lembrando que o que é validado como positivo num contexto pode ser rotulado como negativo noutro.
CONFORMIDADES E COMODISMOS
Conheço muita gente que acredita ter feito “a coisa certa”, com o intuito de atravessar sem sustos os altos e baixos típicos de quem vive na inércia ou na hipomania – os extremos. Mas fazer a coisa certa, sempre certa, somente certa nos leva a quê? Karen Arnold, do Boston College, acompanhou os oitenta melhores alunos do ensino médio, da formatura ao desenvolvimento profissional. O sucesso no ensino médio prognosticou o sucesso na graduação (e na pós), mas também no mercado de trabalho: 90% conquistaram os melhores empregos, 40% dos quais em cargos de alto nível. Estamos falando de jovens confiáveis, consistentes e corretos, que tiveram uma vida ótima sob todos os pontos de vista.
Quantos desses cidadãos bem ajustados impressionaram os entrevistadores? “Nenhum”, concluiu Karen. Tornaram-se bem-sucedidos em suas profissões e ponto. Não demonstraram nenhum interesse por realizações fora do âmbito de seus próprios umbigos. “Os melhores alunos provavelmente não serão os visionários de que precisamos”, concluiu Karen: “Adequam-se ao sistema em vez de sacudi-lo”. Notáveis em sala de aula, desapaixonados fora dela. Outras pesquisas indicaram que jovens criativos, potencialmente inovadores, têm poucas chances de promoção a cargos de direção. Significa que, na maioria dos casos, os sistemas educacional e corporativo querem pessoas bem preparadas, desde que possam ser facilmente controladas. Outsiders e outliers não servem. São caóticos.
EXCÊNTRICOS E TRANFORMADORES
“Se aqueles que jogam conforme as regras não vão muito longe, quem vai?”, pergunta Eric Barker em seu divertido livro “A Surpreendente Ciência do Sucesso” (título propositalmente irônico). Cada caso é um caso. Por exemplo, os excêntricos inadaptáveis costumam ser bem-sucedidos nas artes. O autêntico excêntrico, aliás, é aquele que não se acha tão diferente quanto dizem por aí, mesmo que seus pensamentos, palavras e atos o coloquem numa categoria à parte. Interessante é que os excêntricos são como todos nós em pelo menos um aspecto: precisam de encorajamento incondicional desde pequenos, além de um substancial apoio financeiro para sustentarem seus talentos.
A Escola e o mundo corporativo recompensam a disposição das pessoas para se submeterem ao sistema, não para aperfeiçoá-lo. Pessoas com trajetória semelhante à dos estudantes bem alinhados da pesquisa de Karen Arnold costumam chegar com facilidade à fase final de processos seletivos complicados. Entre os que se dão mal nesses esquemas de filtragem encontram-se candidatos de todo tipo, incluindo os que, embora não tenham brilhado na escola, têm potencial transformador. Esses “transformadores” poderiam ajudar as instituições a se livrarem de crenças carcomidas e teimosias insensatas, mas eles quase nunca têm uma oportunidade, apesar dos claros indícios de que, quando contratados, dão contribuições significativas.
Perdemos muito tempo tentando ser “bons”, quando o bom é apenas a média. Para sermos grandes, temos que ser diferentes. E isso não resulta da tentativa de seguirmos o que a sociedade considera melhor, pois a sociedade nem sempre sabe o que é preciso. Com mais frequência, ser melhor significa simplesmente ser a melhor versão de você mesmo.
David Weeks, neuropsicólogo
MENTORES E PERSONALIDADE
Em meus primeiros vinte anos de vida não contei com mentores (pessoas inspiradoras). Meus pais me transmitiram os dez mandamentos, o que não era pouco para a época (anos 1970) e para o lugar periférico, pobre e distante do centro, onde vivíamos. Talvez por falta de orientação, acreditei (quando bem jovem) que podia compensar minhas carências afetivas e intelectuais com autodeterminação e dedicação irrestrita. Ou seja, coloquei em prática o que a nossa cultura havia enfiado em nossas cabeças desde sempre: aferre-se a alguma coisa, trabalhe duro e não desista. Como não fui educado para lidar com meus medos de fracassar, e por não ser capaz (na época) de avaliar friamente quais eram as chances reais de eu me tornar um escritor admirado, o que aconteceu? Me senti perturbado e frágil.
Para compensar essas e outras falhas de formação, apostei que eu poderia mudar minha maneira de ser e de agir com a mesma facilidade com que eu trocava de roupa (risos). O fato de eu ser um indivíduo do tipo “orquídea” (introvertido e hipersensível, duas características inatas) poderia ter me ajudado, mas não ajudou. Na época, a introversão e a hipersensibilidade, dois pontos fortes meus, me criaram mais problemas que soluções. Por quê? Porque o social é muito importante em uma sociedade que cultua a extroversão, a autopropaganda e a popularidade. Daí que fiquei com a seguinte impressão: não se pode ter sucesso sendo 100% autêntico. E tentar ser outra pessoa pode complicar as coisas ainda mais.
NOSTALGIA E DECLÍNIO
Em termos de carreira, na comparação com o desempenho de pessoas nas mesmas condições e com o mesmo background que eu, meus resultados foram espantosos. Concluí curso superior, mestrado e doutorado, o que já me torna diferente de 99% dos meus descendentes. Fui um jornalista prestigiado, um professor respeitado e um escritor premiado. Paralelamente a tudo isso mantive um casamento estável e saudável. Sempre fui “o cara que passa em concursos, exames e entrevistas”. Quando chegou o momento de construir um caminho próprio, autônomo, “fora da caixa” (digamos, “artístico”), me enrolei todo.
Eu estava com 45-50 anos (completo 57 neste 2022) quando meu prazer de lutar/competir começou a declinar e os obstáculos me pareceram difíceis de transpor. De repente percebi que aquela jornada específica estava terminando e que o que eu havia conquistado na verdade não me garantia nada. E agora? Bem, agora ou você sai em busca de satisfações novas ou dá a si mesmo(a) um tempo para repensar teus valores (e as regras do jogo). O importante é você manter um ideal (no fim das contas, se trata disso: um ideal) de sucesso que seja flexível, adaptável, não focado somente no futuro (nas possíveis glórias e recompensas). Nossa maior conquista, na verdade, é o presente.
RESUMOS (1)
- A palavra sucesso tem significados diferentes de pessoa para pessoa. Para mim, sucesso hoje é ter o maior controle possível sobre o uso do meu tempo. É poder: poder escolher, poder partir, poder ficar, poder escrever o que eu quiser, se eu quiser. Nada a ver com “ter poder” (nunca quis isso).
- Para o sucesso acontecer, você sabe, o primeiro obstáculo a vencer é o medo de fracassar. A origem do nosso medo de fracassar é tão cultural quanto psíquica. Lembre-se que fracasso/derrota não é o oposto de sucesso/vitória, necessariamente. Fracasso é tentar e não conseguir. Ponto.
- O sucesso é fruto de uma decisão pessoal, mas envolve uma insondável convergência de múltiplos fatores. Se você quiser aumentar as chances de ser bem-sucedido, terá de interferir nos fatores associados à tua mentalidade e às tuas atitudes. E identificar a lagoa ideal para você nadar.
Quando procuramos alguém apenas para obter algo nos sentimos hipócritas. As pessoas que se sentem menos interesseiras com o networking são as mais poderosas, enquanto as que mais precisam de contatos – as menos poderosas – são as que mais se sentem mal. Prefeririam que os contatos fossem casuais.
Eric Barker, autor de “A Surpreendente Ciência do Sucesso: Por que (Quase) Tudo Que Você Sabe Sobre Ser Bem-Sucedido Está Errado”
RESUMOS (2)
- O sucesso não resulta de uma só qualidade, mas sim do alinhamento entre quem você é e onde você pretende estar. Teu projeto (teu objetivo) tem de estar conectado com outras pessoas e com o mundo. Crie forças poderosas que funcionem a teu favor durante a empreitada.
- Me preparei para os inevitáveis fracassos, mas nunca celebrei meus sucessos devidamente. Eu concluía um projeto e logo começava outro. Precisamos comemorar e desfrutar as conquistas (grandes e pequenas). Adquira consciência do teu sucesso para que ele faça parte da tua história. Por outro lado, se por acaso você se sentir “perdedor”, evite comparar-se com os outros.
- Não acredito em cartilhas sobre como ser bem-sucedido. Então, se você quer ter pelo menos alguma chance de realizar teus projetos (sejam quais forem), aceite: mesmo que todos os fatores externos confluam a teu favor (algo bem raro), é impossível ter sucesso em tudo.