Enquanto a extroversão é valorizada e incentivada (no Brasil é questão até de sobrevivência), a introversão sempre foi confundida com timidez, misantropia e fobia social. Além disso, os introvertidos são minoria (25%), em comparação com os extrovertidos (75%), segundo pesquisas. Sendo minoria, as pessoas discretas e reservadas acabavam evitando assumir posturas que pudessem ser rotuladas como antissociais. Isso mudou, felizmente. Hoje há muitos livros, sites e vídeos para ajudar os introvertidos a enfrentar uma constatação tão nova quanto óbvia: introversão nunca foi defeito. O que é, então?

SER INTROVERTIDO
O que é ser introvertido(a)? Simples: introvertido(a) é quem prefere ambientes calmos ou minimamente agitados. Os introvertidos tendem a se sentir esgotados após períodos intensos em eventos sociais (por escolha ou por obrigação). Para recuperar a energia drenada, precisam passar algum tempo a sós. Isso ocorre principalmente porque os cérebros dos introvertidos respondem à dopamina de maneira diferente dos cérebros dos extrovertidos.
Segundo Scott Barry Kaufman, diretor do Imagination Institute, os extrovertidos têm um senso de recompensa mais elevado que os introvertidos. Em outras palavras, para os extrovertidos é muito importante, por exemplo, a atenção que recebem dos outros, o dinheiro, a comida, o status social e a oportunidade de transar. [Uma pesquisa na Alemanha mostrou que os extrovertidos fazem mais sexo que os introvertidos, mas não se sabe se por opção ou por obrigação (risos).]
ACEITAÇÃO
Se você, assim como eu, é um introvertido, aceite o seguinte: muito provavelmente a gente é assim desde sempre. Os especialistas no assunto afirmam que a introversão é um temperamento, não uma personalidade. O temperamento engloba características com as quais nascemos e que orientam o nosso modo de agir. A personalidade, diferentemente, pode ser definida como um modo de se comportar moldado pelas circunstâncias e pelas experiências.
Podem ser necessários anos para se construir uma personalidade, enquanto o temperamento já está em nós. Por exemplo, se seus modos calmos e atenciosos foram incentivados por seus pais, professores e outras pessoas, você provavelmente cresceu se sentindo confiante em quem você é. Mas se você foi (como muitos introvertidos) provocado, intimidado ou forçado a se abrir, você pode ter desenvolvido alguma ansiedade social ou sentiu que precisava fingir ser alguém que você não é.
DIFERENCIAÇÕES
Obviamente, os introvertidos não são iguais entre si. Alguns introvertidos precisarão de apenas um pouco de tempo sozinhos para recarregar as baterias e são capazes de lidar com longas horas de sociabilização antes de se sentirem esgotados. Mas também há os/as que perdem rapidamente as forças e passam longos períodos sozinhos para compensar o desgaste.

“O certo é que a maioria dos introvertidos prefere não estar continuamente cercada por pessoas”, afirma a introvertida Jennifer Granneman, autora de “The Secret Lives of Introverts”. “Eventos sociais ruidosos, com muitas pessoas falando sobre assuntos banais, causam nos introvertidos não apenas cansaço, mas também desconcentração e irritabilidade.”
TIMIDEZ E EVASÃO
Timidez e introversão são coisas distintas. Ser tímido significa que você fica muito tenso e constrangido em situações sociais. Tanto os introvertidos quanto os extrovertidos podem ter essa característica, aliás. Conheço introvertidos que são também tímidos, mas não é o meu caso. Fui professor universitário 15 anos, nunca tímido, mas nos intervalos entre as aulas eu procurava um lugar silencioso onde pudesse ficar sozinho e me restaurar.
Da mesma maneira, discrição e reserva nunca foram sinônimo de tristeza, arrogância ou indiferença. Aliás, nós, introvertidos, curtimos socializar, mas é assim: 1) Encontrando pouca gente de cada vez; 2) Conversando sobre assuntos profundos e significativos. Além desses dois critérios, considere o fato de que em nossos convívios processamos milhares de informações (verbais e não verbais), e isso também exige de nós um tempo para digerirmos e interpretarmos tudo o que foi captado.
OUTRAS CARACTERÍSTICAS
Os introvertidos compartilham certas características chaves:
- Preferimos ficar em casa a comparecer a vários eventos sociais consecutivos;
- Apreciamos atividades tranquilas que possam ser feitas com ou sem alguém ao nosso lado, como leitura, escrita, filmes, seriados, música, desenho, jardinagem, caminhadas, etc.;
- Trabalhamos perfeitamente bem (com concentração, eficiência e pontualidade) sozinhos;
- Fugimos de conversas fiadas, dentro do possível;
- Evitamos, dentro do possível, bate-papo ao telefone (nada melhor que o tête-à-tête);
- Temos necessidade de cultivar uma rica e equilibrada vida interior;
- Percebemos mil detalhes que em geral passam despercebidos pelos outros;
- Somos bons planejadores e gostamos de pensar/refletir;
- Temos dificuldade de compartilhar nossos sentimentos e emoções com “qualquer um(a)”.

NORMALIDADE
Imagine como eu me sentia em reuniões e eventos aos quais era obrigado a comparecer? Ou aos quais comparecia porque me sentia obrigado? Além do desgaste físico e mental inevitável, ficava tentando encontrar a solução para um problema que, na verdade, não existia. “Apesar do que seus colegas, professores e até pais podem ter dito a você, o fato é que ser introvertido é perfeitamente normal”, sublinha Granneman.
Alguns introvertidos podem ser também pessoas altamente sensíveis (PAS), meu caso (risos). Ser um introvertido altamente sensível me obrigou a passar boa parte da vida fingindo ser o que nunca fui. Fingindo ser: 1) Extrovertido; 2) Super sociável; 3) Mais pragmático do que reflexivo; 4) Mais racional do que emotivo; 5) Mais imbatível do que vulnerável.
Hoje tenho grande respeito e consideração pelo meu senso de privacidade e pela minha seriedade bem-humorada. Hoje consigo lidar com minhas próprias dificuldades sem me deixar atropelar ou influenciar pelos padrões que as pessoas menos sensíveis e extrovertidas (sempre majoritárias) tentam estabelecer.
Nossa, como me identifiquei com este texto! Por eu ser “reservada” as pessoas do ambiente de trabalho achavam que eu não queria socializar de forma alguma. Isto diminuiu a possibilidade de aumentar laços. O que me deixa bem triste, na verdade.
Olá Debora, obrigado por compartilhar comigo sua reação ao texto. Infelizmente, o “culto à extroversão” é praticamente universal, e há pessoas radicais, que detestam pensar que 1 em cada 5 pessoas prefere (optam) não sociabilizar. Lamentável. Não deixe de estar onde você se sente melhor, não importando como – se com pessoas ou consigo mesma. Abraço!
Muito bom esse artigo! Eu diria também que o mundo ficou ainda mais complicado para os introvertidos. Como eles conseguem ganhar mais dinheiro, se agora a única coisa que restou (ao que perece) é se tornar um influenciador digital e ficar gravando centenas de stories sorridentes sobre o seu dia. Impensável para um introvertido rsrsrs
Oi Erika, obrigado pela mensagem. Concordo: ficou ainda mais difícil. A pressão dos extrovertidos (80% das pessoas) é grande. Eles/elas impõem padrões de comportamento, que, te confesso, não se adaptam a mim. Sou um introvertido clássico (rsss). E um escritor que não pode mais fazer apenas o que mais sabe fazer: escrever. Mas vamos em frente. Aproveito para te sugerir a leitura de “Pessoas altamente sensíveis”, texto meu no Rep Ats. Complementa o texto sobre introversão. Abraço!
Vc é INFP?
Não sei ao certo. O que tenho certeza é que sou introvertido (não tímido) desde sempre e recentemente soube que, além disso, sou HSP (highly sensitive person). E você?
Relevante e esclarecedor, principalmente para nós, extrovertidos, compreendermos não apenas as pessoas próximas que são introvertidos, mas principalmente para refletirmos até onde nossa extroversão é natural ou socialmente imposta.
Adorei Sérgio!, obrigado!
Caro Plínio, obrigado pelo feedback.
Um abraço, Sergio