Observe: de repente um bando de gente começou a acreditar que acontecimentos realmente já acontecidos na verdade não aconteceram. Exemplos: a escravidão nunca existiu, os golpes de Estado nunca foram golpes, o aquecimento global é maluquice de ateus, aqueles sujeitos de roupa branca nunca pisaram na lua e por aí vai. Por outro lado, há os que acreditam em coisas que jamais aconteceram (bem, melhor não perdermos tempo listando-as). Acreditar em alguma coisa é uma necessidade recorrente, mas acreditar somente por conveniência é uma atitude insensata.
Embora seja muito esquisita essa mania de acreditar no que não aconteceu e duvidar do que de fato aconteceu, precisamos considerar que ter crenças é uma atitude natural. Somos crentes, todos nós. Independentemente de religião. Simplesmente acreditamos. Acreditamos inclusive na conveniência de (não) acreditar. Mas se o que acreditamos mantém relação direta com fatos verificáveis, bem, esse é um assunto sobre o qual precisamos conversar. Até porque tem muita hipocrisia nesse jogo.
CETICISMO E CIÊNCIA
Seguinte: se a crença é uma atitude natural (inerente ao ser humano), o ceticismo e a ciência não o são. A ciência e o ceticismo se alimentam da identificação/análise de padõres. “No dia a dia, buscamos padrões até em ocorrências sem significado”, diz Michael Shermer, editor da revista “Skeptic” e investigador de alegações anti ou pseudo científicas (incluídas aí as suposições lunáticas) que não encontram respaldo na realidade.
Enquanto médiuns, astrólogos, tarólogos e políticos se concentram somente em seus acertos (raramente em seus erros), os cientistas, por outro lado, precisam estar atentos a todos os dados e verificar se o número de acertos de alguma maneira foge do padrão esperado ou mesmo do acaso. “A ocorrência de um suposto milagre, por exemplo, não nos oferece nada para ser testado”, brinca Shermer. “Para os criacionistas, porém, é fato e fim de papo.”
O caso de Galileu é interessante. Quando ele apontou o telescópio para Saturno tinha dois problemas. Primeiro: não dispunha de uma teoria sobre anéis planetários. Segundo: as imagens observadas por ele estavam muito borradas. Daí anotou assim: “Tenho notado que o planeta mais distante possui três corpos”. Estava expondo, na verdade, uma interrogação – que, aliás, não seria solucionada até 1655. Ou seja: diga alguma coisa importante extra somente quando tiver certeza.
SAVANAS DA ÁFRICA
Agora voltemos 3 milhões de anos. Savanas da África. Você escuta um barulho na mata. É um predador perigoso ou só o ruído do vento? Você está diante da decisão mais importante da sua vida. Se achar que o barulho é um predador perigoso e na verdade é só o vento, você cometeu um erro de cognição do tipo falso positivo. Ok. Siga em frente. Mas se acredita que o ruído é apenas o vento e na verdade é um predador perigoso você vira almoço (risos).
Os padrões vão ocorrer sempre que o custo de cometer um erro do tipo falso positivo for menor que o custo de cometer um erro do tipo falso negativo, lembra Shermer: “Em situações de vida ou morte, que envolvem frações de segundos, temos dificuldade em detectar a diferença entre um falso positivo e um falso negativo. Sendo assim, o ‘normal’ seria acreditarmos que todos os barulhos da mata são de predadores e nada têm nada a ver com o vento”.
Jennifer Whitson (Universidade da Califórnia em Los Angeles, UCLA) realiza experimentos em ambientes corporativos para verificar como os sentimentos de incerteza e descontrole levam as pessoas a ver padrões onde não existem. Whitson descobriu que tendemos a ver padrões quando sentimos que a situação está bem complicada. [As superstições e as ilusões, aliás, estão muito associadas a esse tipo de sentimento, segundo a pesquisadora.]
PROJEÇÕES INFUNDADAS
O fato é que, quanto mais imprecisos formos em encontrar padrões, menos acreditaremos naquilo que existe – de novo o falso negativo. Pense bem: trata-se de um território minado. Se você é muito cético, pode perder de vista o que realmente interessa. Se em vez disso é pouco cético, pode crer no que não existe. Exemplo: algumas pessoas olharam para você hoje na rua e você logo conclui: “Estão me espionando e falando mal de mim pelas minhas costas”. Ah, é?
Mas e se você fosse cético na medida certa, como interpretaria aquela realidade? Uma coisa é certa: você não cairia em conversa fiada ou em fake news, nunca. O problema é que céticos na medida certa não existem (risos). Voltemos então às savanas da África três milhões de anos atrás. Qual a diferença entre o ruído do vento e o ruído de um predador perigoso? “O vento é inanimado”, diz Shermer. “Já o predador perigoso é um agente intencional. Isso muda tudo.”
Almas, espíritos, fantasmas, deuses, demônios, anjos, alienígenas, conspiradores (dentro e fora dos governos), designers inteligentes e outros agentes invisíveis com poderes e intenções podem assombrar o nosso mundo e controlar nossas vidas. “Os adeptos do design inteligente adoram apontar/descrever seres que criam/salvam vidas, mas a ideia de que alguém grande e poderoso lá em cima virá nos salvar é uma projeção sem fundamento.”
TEORIAS CONSPIRATÓRIAS
As teorias da conspiração também se referem a surpresas insondáveis, como se alguém (ou um grupo) camuflado estivesse mexendo os pauzinhos para que aconteça uma coisa em detrimento de outra. O Onze de Setembro foi resultado de uma conspiração? Sim, membros da Al Qaeda planejaram derrubar aviões e lançá-los contra edifícios nos EUA. Ah, então não foi uma tramoia do ex-presidente George W. Bush? “Não dá para dizer que foi operação interna da administração Bush, não”, ironiza Shermer. Por quê? “Porque funcionou!” (Risos.)
Já os padrões dos nossos movimentos para revelar/entender quem somos, individualmente, são mais complexos ainda. “Acreditar em si mesmo” significa mover-se por aí com uma crença particular em mente; uma crença que crie explosões de prazer, alegria e compreensão e permita sentir quem você realmente é (ou que você gostaria de ser). Se o conhecimento de seus padrões pessoais te fazem sentir em harmonia com o Universo, então você está acreditando em algo.
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