Digamos que comparar-se com os outros não é um problema em si. Pode até ser um exercício interessante quando, por exemplo, você observa a outra pessoa livremente (sem superioridade nem inferioridade) e tenta “imitar” um comportamento dela que você respeita e admira. Por outro lado, precisamos dosar as comparações, porque, quando excessivas, fazem muito mais mal do que bem.
A GRAMA DO VIZINHO
Nem sempre a grama do vizinho é mais verde que a sua e vice-versa (risos). Aliás, isso nem importa muito, se você pensar bem. O importante é você saber de que maneira as comparações te afetam. No meu caso, se aprendo (e avanço) com elas, ótimo. Se me causam insatisfação quanto a quem sou e ao que possuo, então pode haver algo errado. Durante muito tempo, fui assaz comparador, às vezes sem perceber, às vezes para tentar me localizar no mundo, como no jogo “Onde Está Wally”, do ilustrador Martin Handberg, sucesso nos anos 1980.
Na época (trinta anos atrás, digamos), quanto mais negativas eram as percepções que eu tinha a meu respeito, mais eu me comparava com os outros. E o pior: na maioria das vezes, concluía (sem dados objetivos) que, comparativamente, minha vida era sem graça ou horrível, o que era uma inverdade. Nunca fui um comparador, digamos, patológico, mas hoje está claro que a maioria das comparações que fiz entre mim e os outros evidenciavam o abismo que existia entre quem eu era (como eu me via) e quem eu gostaria de ser (ou seja, em como eu me idealizava).
EM PERSPECTIVA
Anos de psicoterapia expuseram meu comparativismo à flor da pele, evidentemente, e agora consigo vê-lo em perspectiva. Por fim entendi o seguinte: a atitude de comparar-se tem origem ou na insegurança, na inveja, no ciúme ou em tudo isso junto. Mas por que tantas pessoas exageram nas comparações ou até mesmo dependem delas para seguir em frente? Talvez para investigar os segredos do vizinho, que consegue manter a grama sempre mais verde (risos); ou talvez por acharem suas vidas monótonas, tristes e sem sentido.
Também no mundo dos negócios, as empresas usam o benchmarking e o marketing intelligence para se compararem com as melhores organizações. [Mas nem sempre as outras (as melhores) estão interessadas em ser alvo de comparações.] O surgimento das redes sociais exacerbou o afã comparativo e a competição por uma vida o mais próxima possível da perfeição e, consequentemente, da irrealidade. Mas as comparações, na verdade, já começam no nascimento, com tantas mães confrontando seus bebês com os de outras mães. Sim, comparações têm a ver com competição.
COMPETIÇÕES
Então, sejamos honestos uns com os outros: o mais importante não são as conclusões das comparações, mas sim o porquê de nos ocuparmos tanto com isso (a ponto de muitas vezes estabelecermos paralelos sem nexo). Não se trata apenas de analisar como o “pobretão do seu primo”, por exemplo, conseguiu comprar um carro zero quilômetro, potente e cintilante, enquanto você, que trabalha como um burro de carga – exatamente como o seu primo, aliás –, está precisando de uma geladeira nova e não tem dinheiro para comprar uma. Ah, pois é.
Esse exemplo tão vulgar indica que no dia a dia as comparações giram em torno de competições por status. Isso mesmo. Por status, sim. No fim, você acaba descobrindo que, para ter o tal carrão, seu primo ficou inadimplente com deus e o mundo. Então, o posto que seu primo ocupa no ranking dos possuidores de bens de consumo da sua família seria mesmo superior ao seu? Pense bem. Por outro lado: sendo você um antissocial e o seu primo super popular, por que você focou logo no carrão do seu primo, e não na simpatia dele?
CULTURA
Claro, a cultura da comparação vai além das disputas individuais. Engloba também raça, etnia, nacionalidade, religião, política, etc. Estudei o antigo Ginásio (da quarta à oitava série) em um bairro de classe média alta de Belo Horizonte, nos anos 1970. Mas eu morava em um bairro de classe média (bem) baixa. Era uma escola pública, mas com alunos de origens socioeconômicas muito, muito diversas. Havia ali uma pirâmide social bem específica, subdividida mais ou menos assim:
- no topo, os alunos brancos (bonitos) e com dinheiro para comprar refrigerantes e sanduíches de presunto durante o intervalo para a merenda;
- mais abaixo vinham os brancos não feios porém pobres, que só podiam contar com a merenda grátis oferecida pela escola (meu caso);
- mais embaixo ainda ficavam os negros, os morenos, os interioranos e os de “olhos puxados”, que enfrentavam a mesma fila da merenda grátis, mas bem, bem lá atrás, na fila.
- na base da pirâmide misturavam-se os tímidos e os esquisitos de todas as classes e etnias.
As diferenças socioeconômicas, raciais, regionais, etc. eram inquestionáveis, e ninguém procurava no outro algum aspecto fora do espectro estética-riqueza.
ATITUDE INÚTIL
De modo geral, as comparações destrutivas, aquelas que nos põem para baixo, se dão entre um objeto real (a nossa existência) e um objeto idealizado (a existência alheia). Como não é possível conhecer os reais motivos que tornaram o outro “melhor” do que nós, usamos a imaginação.
Se você pensar bem, pouco importa se a comparação é favorável ou desfavorável para quem se compara. Importa que comparar-se em excesso é uma atitude tão inútil quanto reclamar de tudo o tempo todo. Prefiro concentrar a atenção em mim mesmo, sem juízos morais ou monetários.
Discordo de quem afirma que “o único termo de comparação deveria ser nós mesmos”. Não, não, de jeito nenhum. Até porque há indivíduos realmente incomparáveis. Exemplo? Ah, aqueles que se acham o máximo do máximo. Bem, mas estes não deveriam nos servir de referência (risos).
QUATRO RAZÕES
O fato é que as comparações forçadas e irrefletidas não me trouxeram benefícios. Pelo seguinte:
1) Elas me privaram de relacionamentos afetivos interessantes;
2) Elas retardaram a descoberta do que realmente tem valor para mim;
3) Elas me impediram de fazer propaganda positiva a meu respeito;
4) Elas me cegaram para as atitudes relevantes do outro, às quais eu podia ter tentado imitar. Em vez disso, com baixa autoconfiança, continuei me comparando para poder reforçar a minha suposta “inferioridade”.
É evidente que autoestima baixa, necessidade de aprovação, ciúme, inveja e outras sensações, digamos, autodepreciativas, podem ser tanto a causa quanto a consequência de comparativismos equivocados. A ideia de que “cada indivíduo é um universo, com vida própria, experiências e motivações próprias” não significa que comparações sejam dispensáveis. Para mim, essa ideia é mais sugestiva que conclusiva: conhecer a singularidade do outro é um dos caminhos para eu me conhecer sempre mais. E que assim seja.
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Seus textos têm sido terapêuticos para mim. Muito obrigada!
Bom saber disso, Erika. Obrigado por me dizer. Abço!