Mudanças climáticas, ecossistemas ameaçados e crescimento insustentável são fenômenos contrários à continuidade da vida em um futuro próximo e fazem parte da noção contemporânea do que a natureza representa para todos nós. Sem dúvida, nosso grande desafio como membros da espécie Sapiens é evolutivo e tem a ver com meio ambiente. Mas, pensando em termos mais imediatos, o contato com a natureza melhora a saúde também.
Pesquisas realizadas em cinco continentes revelaram que, para termos uma qualidade de vida maior, precisamos reduzir o predomínio do cimento e do asfalto em nosso cotidiano. Como? Ficando mais tempo ao ar livre e estabelecendo alguma forma de contato com plantas e animais. “O homo ecologicus mora em nós desde sempre, mas tornou-se prisioneiro de artificialidades”, diz Richard Louv (“O Princípio da Natureza”). “No entanto, quanto mais tecnologias temos, mais precisamos de natureza.”
DO HOMO AO SAPIENS
Ainda ontem morávamos nas savanas. Cobríamos o corpo com peles de animais ou com tecidos de fibras de árvores. Nossa máxima aspiração era manter sob controle a posição adquirida (no alto de alguma colina, preferencialmente) ao abrigo da chuva, do frio e do calor e com uma fonte de água corrente por perto. [Hoje, quando procuramos uma casa para alugar/comprar buscamos mais ou menos o mesmo: vista, proteção nos fundos, água abundante, fácil acesso a comércios e serviços.]
A memória de 100 mil gerações Homo vividas em estreitíssimo contato com a natureza deixou marcas indeléveis em nós. Nascemos na natureza e, como espécie, crescemos e nos fortalecemos ao lado de outros animais imersos na vegetação. O meio ambiente – com seus desafios, ameaças, recursos e oportunidades – sempre nos acompanhou em nossa viagem do instintivo (como “selvagens”) ao distintivo (como seres “racionais”).
Desde o início, a espécie Sapiens (2.500 gerações) demonstrou uma versatilidade incomum, grande capacidade de adaptação e inteligência matemática. Tudo isso nos permitiu conquistar uma crescente autonomia em relação às intempéries e comandar o nosso destino. No entanto, apesar de termos evoluído graças a tudo o que nos circunda, perdemos, ao longo dos séculos, a noção de onde estamos e por que estamos. Parte disso se deve à nossa carência de um contato direto com a natureza.
NATURAR-SE
A vida nos países desenvolvidos ou em vias de desenvolvimento é majoritariamente urbana e artificial, feita de concreto, aço, vidro, asfalto, automatismos e impessoalidade. Obviamente, não somos mais capazes nem de erguer uma parede com pedras nem de distinguir uma raiz comestível de uma venenosa; não sabemos montar um cavalo em pelo nem acender um fogo com lenha. Porém, em nosso “inconsciente ecológico” essas lembranças continuam muito vivas, afirmam biólogos.
“Infelizmente, esse nosso distanciamento das lógicas naturais nos separou da Mãe-Terra”, afirma a jornalista e ecopsicóloga italiana Marcella Danon, autora de “Clorofillati: Ritornare alla Natura e Regenerarsi” (2019). Ainda falamos do risco de extinção da vida na Terra como se tudo não passasse de uma abstração ou de um discurso especulativo, quando, na verdade, já estamos sofrendo os efeitos colaterais do crescimento insustentável.
“Sobretudo, não temos consciência do quanto todo o mal-estar atual, em seus diversos níveis e graus, decorre da nossa quase total desconexão com a natureza”, acredita Marcella. “Por isso, para o bem da nossa saúde pessoal e para o bem do planeta como um todo, é importantíssimo inserirmos em nosso cotidiano um espaço de contato frequente com o mundo natural, abrindo nossos cinco (ou seis) sentidos para que essa experiência seja a mais benéfica e rica possível.”
SÍNDROME
Aproximar-se da natureza, contemplá-la, senti-la e compreendê-la não ajuda somente a refletir sobre o nosso atual impasse histórico-evolutivo. Ajuda também a reduzir o estresse. Vários estudos mostraram que o “déficit de natureza” (a carência de exposição a ambientes naturais) é uma das causas principais de problemas como obesidade, depressão, doenças circulatórias, baixa propensão à empatia e dificuldade de socializar.
Entrevistas, mensurações e coletas empíricas de dados demonstraram que quanto menos contato com a natureza tiverem as crianças, por exemplo, maiores serão as chances de desenvolverem problemas físicos e emocionais, como dificuldade de se relacionar e de se concentrar, ansiedade e compulsões. O educador americano Richard Louv chamou esse complexo de sintomas de “Síndrome do Déficit de Natureza”, que afeta também adultos, obviamente.
RECARREGAR-SE
“Clorofillati” é um livro otimista, que sugere inúmeras ações para darmos mais tempo e espaço à natureza em nosso dia a dia (mesmo morando em cidades grandes, mesmo dispondo de pouco tempo). A natureza nos ajuda a descarregar tensões e recuperar a atenção, abrindo caminho para começarmos a criar soluções para os nossos grandes e pequenos problemas diários. Entrar na natureza para se refrescar, para ser consolado e se recarregar é um fator de equilíbrio, portanto.
Estar ao ar livre é uma necessidade vital, porque o nosso corpo, movendo-se no ambiente natural, descarrega eletricidade estática, neutraliza toxinas, dissolve os hormônios do estresse e regula as funções cardíaca e circulatória, acelerando os processos de cura. A presença de árvores atua positivamente em nosso corpo; os verdes e azuis das paisagens nos relaxam; o mar nos enriquece interiormente; o sol nos fortalece. Enfim, a vida a céu aberto é parte da nossa saúde individual.
INTROSPECÇÃO
Frequentar o mundo natural, cultivando o hábito de observá-lo e admirá-lo – mantendo o aparelho perceptivo plenamente ativado – contribui também para a introspecção (o contato com o nosso eu interior). Mais: ao despertarmos nossa consciência para o fato de que somos cidadãos terrestres (e não apenas regionais/nacionais), a gente consegue ver o meio ambiente de um modo mais respeitoso e nos sentimos parte realmente integrante de ecossistemas amplos/complexos.
Quem reside em aglomerações urbanas também pode manter viva a sua relação com a natureza. Podemos criar condições para que os ambientes doméstico, de trabalho e de estudos fiquem mais naturais. Por exemplo: 1) introduzindo materiais como madeira, pedra e fibras têxteis eu seu habitat diário; 2) enriquecendo as paredes da casa e a sua biblioteca com imagens de natureza; 3) Possuir e cuidar de plantas (e animais) em casa – a simples presença desses dois componentes já produz efeitos sensíveis, afirmam pesquisas.
AÇÃO
O que me renova? Montanhas. [Sou mais da montanha que do mar, mas também mar é natureza, claro, e observá-lo profundamente estica meus horizontes.] Sempre que possível passo alguns dias nos Montes Apeninos, perto de Modena, norte da Itália. Quando estou lá em cima (1.300 metros de altitude), caminho pelas florestas, medito, respiro profunda e calmamente. De volta a Florença, sinto os benefícios: durmo melhor, elimino o excesso de pensamentos e fico mais tolerante com as adversidades. A coordenação motora melhora também. Mais: consigo refletir sobre meus dilemas, com clareza, sem misturar alhos com bugalhos.
Importantíssimo é inserir na agenda momentos de vida ao ar livre. Recarregue as suas baterias em um parque da sua cidade. Comece a prestar atenção aos sons da natureza, como os cantos dos pássaros e os zumbidos de insetos. Quando possível, organize um piquenique perto de uma cachoeira ou faça uma caminhada à beira-mar. É tudo uma questão de atitude (e abertura). Mesmo em cidades podemos ter natureza e beleza. Em Florença, pelo menos duas vezes por semana frequento o Parque Cascine, onde costumo me deitar ao pé das árvores para ler e/ou cochilar.
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Sérgio, muito bom!!! Amei seu artigo!! Beijos Yvone
Obrigado, Yvone !! Beijos, Sergio