Virei jornalista meio que por acaso, e valeu a pena, mas fui abandonando a atividade pouco a pouco, ano a ano, sempre tentando abrir espaços para outros modos de vida. O mesmo aconteceu com a minha trajetória de professor: investia e desinvestia conforme as demandas por bem-estar físico e mental. Principalmente mental. O único objetivo que atravessou com alguma constância pelo menos metade da minha vida foi o de me tornar escritor. E aconteceu, e também valeu a pena, mas precisei de um fim. O fim de um jejum necessário.
Confesso: o escritor que habita em mim me fez pouca ou nenhuma falta durante esse tempo (risos). Na verdade, nunca me senti nato para isto ou aquilo, em termos profissionais. Certos tipos de escolhas exigem certezas que jamais terei. Desde bem jovem eu já devia saber (sem de fato sabê-lo) que podia ser o que quisesse e o que não quisesse; e por vontade ou por indução alguma coisa acabei sendo. [A propósito, antes de estudar jornalismo (depois de iniciar e abandonar três cursos), fui bancário, topógrafo e projetista de redes de transmissão elétrica.]

EVASIVAS
Na minha cabeça de baby boomer, carreira era sinônimo de reta ascendente. Você faz a sua escolha, constrói uma reputação e desfruta-a. Mas esse noção nunca me deixou à vontade. Quando um desafio terminava ou quando eu percebia que havia dominado os fundamentos da “novidade”, me batia uma inquietude incontrolável, uma vontade louca de voar para outras árvores. Outro dia me perguntaram assim: “Você realmente largou essas três carreiras?”. Na ocasião, em vez de responder honestamente, apertei os botões das justificativas automáticas e socialmente aceitáveis.
Algumas delas:
- então, aquele jornalismo “sério”, sabe, aquele que aprendemos na faculdade, baseado no equilíbrio e na profundidade, não existe mais – e eu não quero me tornar militante de nenhuma dessas causas dominadas por “ideias fixas”;
- pois é, as faculdades de jornalismo, olha, vou te dizer uma coisa, viraram uma máquina de fabricar diplomas e degolar inteligências;
- e a literatura, cara? Ah, a literatura, não dá: ela perdeu de goleada a batalha contra a instantaneidade, um horror.
Respostas prontas e evasivas, enfim.
QUE PREGUIÇA!
Não que os arrazoados acima sejam inverídicos. Ao contrário. Para os membros da minha geração são até óbvios. Daí resolvi perguntar-me: apesar de todas essas supostas precariedades e retrocessos, você não podia ter continuado? Continuado a escrever, publicar, dar aulas? Mesmo recebendo pouco ou nada (pois ainda vigora no meio educacional-cultural o trabalho grátis), você não poderia ter feito só pelo prazer de fazer? Quanto à literatura, é uma atividade árdua e inglória, sim, mas tem aqueles “estimulantes” encontros literários, não? Você podia participar como “speaker”, que tal? Ou ministrar workshops de escrita criativa…
Huuumm…. Que preguiça disso tudo. [O fato é que não consigo continuar fazendo coisas nas quais deixei de acreditar. Mais: sou como todo mundo, não consigo me “satisfazer para sempre“.]
SEM CRACHÁ
Eu podia tudo, claro. Tinha todas as condições necessárias: força, disciplina, talento e alguma poupança. Mas preferi não fazê-lo. Não fui expurgado pelo Sistema, não. Apenas fiz opções contrárias ao script. A mais recente dessas opções, digamos, não convencionais, foi em 2016, quando decidi me mudar para a Itália. Tenho cidadania italiana por parte da família da minha mãe. Morei em Florença de 2016 a 2021, penando com o câmbio Real-Euro em seus piores momentos, trabalhando como “greeter“, sem status quo, sem prestígio, sem instituições de fomento (aliás, odeio essa expressão!) e sem poderes adquiridos ou autoatribuídos. Aqui sou apenas eu, como tudo o que isso implica de bom e de ruim.
A redação deste textinho, então, seria uma prova de que voltei à escrita? Acho que sim. Só que agora é um pouco diferente. Estou em busca apenas de um passatempo “improdutivo”, como colecionar selos, observar pássaros, cultivar flores, jogar cartas, mergulhar com respirador. Depois de tantas realizações, tantos sucessos e insucessos, tantos conflitos com a herança linear-construtivista, achei que era hora de romper e experimentar uma vida diferente. Sem nostalgias nem ressentimentos. Tranquilo.
ANTICORPOS
E agora cá estou, avançando para trás, crescendo para baixo, expandindo para o centro e tentando fluir em todas as direções. Fechei um acordo inédito com o Universo. Um pacto de duas cláusulas, na verdade: 1) Nasci para os desafios que se renovam, estejam onde estiverem, mas não para repetir esforços em nome de uma estabilidade linear (sempre falsa, a meu ver); 2) O ato de escrever despretensiosamente é um poderoso anticorpo contra as depressões e os estresses contidos neste mundo vago, fútil e cada vez mais exaltado (no mal sentido). [Este artigo foi atualizado em junho de 2022.]
…
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Olá Sérgio! Saiba que este texto ajudou nas minhas reflexões sobre o conceito de trabalho.
Olá, Fernando. Fico feliz por tê-lo ajudado de alguma forma. Tento não me prender muito a modas e conceitos muito fechados. Abraço!
Caro Sergio, tudo bem?
Acabo de ter o momento feliz do dia: “encontrar” estas notícias suas.
Boa jornada por aí.
Um abraço,
Christian