Eis o primeiro ponto: é falso que a imaginação sirva apenas aos escritores. Ou aos designers e arquitetos. Ou aos estilistas que inventam a moda das próximas temporadas. [Verdade que a imaginação tem poderes.] A imaginação serve, e muito, aos políticos também. Não para inventar falsas promessas (que, convenhamos, é um horror), mas para delinear novas formas de estarmos juntos no mundo.
As mudanças econômicas e sociais são impulsionadas, escreve o European Journal of Psychology, por processos imaginativos, graças aos quais a vida coletiva é experimentada, primeiramente em termos simbólicos, para então nos mobilizar e nos permitir alcançar objetivos políticos.
Além disso: há um lado claro e um lado escuro da imaginação na política. O lado escuro deriva, em grande parte, da falta de imaginação: é o lado que nos levou a administrar a crise grega somente com cortes na previdência e com reformas neoliberais; o mesmo lado que nos impediu de ver alternativas viáveis e virtuosas ao crescimento econômico incessante e ilimitado. Esse lado escuro da imaginação política (o artigo citado é de 2015) vai dar origem ao Brexit, em 2016, infelizmente.
ABRAÇAR O MUNDO
Segundo ponto: cientistas, inventores e pesquisadores sabem (e devem ser capazes de) imaginar. A imaginação é mais importante do que o conhecimento, disse Albert Einstein em uma entrevista de 1929. E acrescenta: “O conhecimento é limitado. A imaginação abraça o mundo”.
Na ciência, a imaginação desempenha um papel produtivo: ajuda a resolver problemas, interpretar dados, projetar pesquisas, formular hipóteses e gerar conhecimentos novos. O pensamento científico é uma forma de imaginação que se autoimpõe restrições mais ou menos rigorosas em relação aos objetivos propostos. O que distingue criadores como Nikola Tesla e Temple Grandin de imaginários medíocres, escreve Michael Stuart, da Universidade de Genebra, é que os gênios são mais capazes de estabelecer e respeitar os vínculos corretos.
ANTES DE EXISTIR
Basicamente, nada pode ser realizado ou descoberto que não tenha sido imaginado antes. Com uma maneira diferente de imaginar, talvez, mas mesmo assim imaginada.
O site de narrativas “Il Tascabile” [italiano] conta a deliciosa história de Coriandoline di Correggio, um bairro projetado por crianças, fruto de um projeto de cinco anos, que envolveu setecentas crianças em idade pré-escolar. Elas foram interrogadas sobre como deveriam ser as suas casas. Transparentes, elas responderam. Protegidas e duras por fora, macias e aconchegantes por dentro. Coloridas. Mágicas. E com alguns cantinhos secretos.
Um detalhe interessante: os professores tentaram várias vezes jogar com outras perguntas, bagunçar um pouco as cartas da mesa: “Quando a resposta foi imediata, entendemos que era o mais banal e que não era satisfatório. Tínhamos que encontrar outras questões, para abrirmos novos cenários”.
Há mais dois pontos dignos de nota a respeito dessa breve consideração dos educadores responsáveis pelo projeto. Primeiro: a imaginação pode ser ativada a partir de uma pergunta. Segundo: a resposta imediata, a que primeiro vem à mente, raramente é a melhor. Devemos continuar a buscar e perseguir nossas visões.
SUSTENTABILIDADE
Por falar em visões: uma dose consistente de imaginação é essencial para inovar e construir novos negócios sustentáveis. Infelizmente, escreve FastCompany, não é uma habilidade que se desenvolve na escola. Mas podemos ser treinados para raciocinar por metáforas e para empregar o pensamento visual. Podemos transferir elementos, estratégias e métodos de um campo para outro (Ford inventou a linha de montagem observando a maneira como os cortes de carne eram processados em um matadouro de Chicago). Podemos tentar raciocinar por meio de paradoxos.
A imaginação é fundamental em qualquer processo criativo. Ela se desenvolve em nós, seres humanos, por volta dos quinze meses de idade e, se não for reprimida nem amarrada a todo custo com os fios da racionalidade e do conformismo, pode nos acompanhar por toda a vida, melhorando-a. A imaginação guiada está no centro de muitas práticas de meditação e atenção plena (mindfulness) e pode reduzir o estresse e a ansiedade.
PROCESSO COGNITIVO
Se eu te perguntar o que é imaginação, você saberia dizer o que é? Vamos lá, pense um pouco. A imaginação acontece na nossa mente e não tem necessariamente correspondência com o que os nossos sentidos são capazes de captar do mundo exterior, ainda que use, misture e recombine memórias e cognições extraídas das experiências vividas com o passar do tempo.
É um processo cognitivo que diz respeito ao possível, e consiste precisamente na capacidade de representar algo que não existe. Ou que ainda não existe. E como tudo é possível em nossa mente, a imaginação tem a ver com… Quanto cada um de nós é capaz de imaginar.
Isso envolve, por exemplo, enxergar com os olhos da mente. Parece que o primeiro a ter usado essa expressão foi Cícero, em seu livro/discurso “Sobre o Orador”, desaconselhando o uso de semelhanças que pudessem evocar imagens inadequadas e constrangedoras diante dos olhos de seus ouvintes.
VISÕES INTERIORES
E chegamos o outro tópico relevante: podemos ativar nossa imaginação de forma voluntária, “vendo” coisas que ainda não existem, mas que poderiam existir (uma mesa de plástico amarelo na sala, por exemplo: como ficaria?). Ou coisas que ainda não existem e que não podem existir (uma mesa feita de água com gás). Mas podemos trabalhar nesse último exemplo para torná-lo possível (uma mesa de gelo, em uma sala do Polo Norte; ou a ilustração de uma mesa de água com gás. Ou uma história ambientada em um mundo onde todos os móveis são feitos de água; você consegue visualizá-la? Poderia concebê-la?).
Mas nada nos impede de ativar nossa imaginação em torno de ideias abstratas. Poderíamos então ver padrões, estruturas, configurações, relacionamentos que se organizam em nosso espaço mental. Ou, ainda, imagine: “O que aconteceria se eu montasse um raio de luz?”, perguntou-se Einstein quando tinha 16 anos.
ATIVAÇÕES
Enfim, podemos buscar estímulos que ativem nossa imaginação: é o que nos acontece, por exemplo, quando lemos um romance e diante de nossos olhos aparecem os personagens e seus gestos e os ambientes em que ocorrem as ações; e até parece que ouvimos vozes e ruídos (a propósito: imaginar não é apenas ver, mas também sentir). Essa, entre outras coisas, é uma das razões pelas quais a leitura de romances estimula nosso cérebro. E a boa música também, claro.
Existem dois excelentes motivos para levarmos nas férias (onde quer que sejam as nossas férias depois deste 2020 estranho e complicado, incluindo aí a nossa própria casa) uma playlist que mereça ser ouvida várias vezes e romances que valham uma leitura ou releitura.
A imagem que ilustra este artigo é do artista brasileiro [brasiliense] Roger Mattos. Este artigo apresenta algumas de suas imagens espaciais (exemplo de imaginação).
Publicado originalmente no Nuovo e Utile e reproduzido aqui com autorização. Tradução: Sergio Vilas-Boas, criador/editor do “Repensando Atitudes”.