Ensinaram-nos que é errado invejar os objetos, os relacionamentos e os atributos físicos dos outros – enfim, o que a gente vê nos outros hoje. Mas neste mundo apressado e desconectado do tempo presente parece que até a inveja migrou para o futuro. O verdadeiro invejoso agora cobiça o que o outro nem possui (ainda), alimentando-se como nunca de uma hiper idealização da vida alheia. Inveja-se o que a imaginação é capaz de criar. E você? Tem inveja do quê?

“Se há um assunto dominante na sociedade pós-moderna, é a inveja”, escreveu Alain de Botton. “Uma coisa que passei a aceitar com a idade é o fato de que não é possível ser bem-sucedido em tudo. Defendo que não devemos desistir dos nossos ideais de sucesso, mas precisamos nos certificar de que são mesmo nossos. Porque, dependendo do caso, podem ser fruto de inveja, pura e simplesmente.”
EMOÇÃO DESTRUTIVA?
Mas o que é sentir inveja? Nos meus termos: é você inventar histórias sobre a vida dos outros para você mesmo(a) acreditar. A inveja é como a fome. Precisa ser realimentada continuamente de imaginações sobre as posses dos outros. Os invejados muitas vezes nem têm consciência da inveja que despertam. Interessante é que quanto menos ostensivos em relação às suas posses e poderes, mais inveja despertam.
Além de ser uma de nossas tantas emoções, a inveja é um componente cultural poderoso. Não por acaso ela é tópico chave em todos os livros sagrados. Não por acaso somos estimulados a empurrar nossas invejas para debaixo do tapete (assim como o medo de fracassar). Não por acaso as artes a abordam como fonte de destruição. Não por acaso o Instagram é a plataforma social queridinha do momento.
INVEJA E CIÚMES
Inveja e ciúme estão dentro do mesmo pacote, mas são objetos diferentes. Digamos que a inveja é a dor pessoal causada pelo desejo de obter as vantagens que os outros obtiveram. Já o ciúme é a dor pessoal causada pelo medo de perder para os outros as vantagens efetivamente obtidas. Enquanto a inveja inspira a cobiça, o ciúme atiça o desejo de defender com unhas e dentes o território conquistado.

Comparado com a inveja, o ciúme é mais fácil de ser admitido e mais difícil de disfarçar. A inveja é oculta e, quando sai do controle, derruba impérios e reputações. [Leia romances como “Madame Bovary” (G. Flaubert) e “A Marca Humana” (P. Roth) e veja filmes como “A Malvada“, “Amadeus” e “Adaptação” e depois me conte. Sobre ciúme, sugiro “Jalouse” (foto acima).]
REFÉNS
“Quanto mais intensamente invejosos somos, mais nos tornamos reféns das fantasias criadas por nossas invejas”, diz Parul Seghal, crítica literária do “The New York Times”, premiada por suas dissertações sobre a inveja em romances famosos. “Por isso acredito que a inveja não nos leva a fazer somente coisas violentas ou ilegais. A inveja nos incita a nos comportarmos de maneira inventiva também. Somos todos cidadãos das mídias sociais, onde a moeda de troca é o ciúme e a inveja.”
Ou não? Sim. Com alta taxa de redes sociais no sangue, temos inveja ao ver fotos incríveis de “amigos de amigos” mergulhando em águas cristalinas do Caribe e vídeos mostrando a cerimônia de recebimento do prêmio de Melhor Isso, Maior Aquilo do Fulano de Tal que você conheceu no ensino médio. Mas também ao ler o texto cafona do seu colega agradecendo a deus e ao cãozinho por ter sido promovido de auxiliar 1 para auxiliar 2.
ANTECIPAÇÕES
Com tantas previsões horríveis para o destino da humanidade (aquecimento global na cabeça), o futuro ficou muito mais perturbador que o presente, ao que parece. A perspectiva de que minha cidade será inundada pelo mar daqui a dez anos gera mais apreensão do que o Covid-19, porque a pandemia já é uma realidade, observam os pesquisadores da cognição.
Ao que parece, esse padrão vale também para a inveja. As invejas são fruto da nossa imaginação. Inveja-se o filho que a amiga quer ter, o carrão ainda não comprado, a cirurgia plástica anunciada no feissibuqui, a fantástica viagem do chefe ao paraíso onde ninguém nunca foi. E eu? Invejoso tolo e incapaz de blefar, me fascinam coisas abstratas e não necessariamente personificadas, como paciência e altruísmo (risos).

A MÃE DO RANCOR
A verdadeira inveja não se resume em querer o que os outros têm. O autêntico invejoso gostaria de ver o seu invejado de joelhos, derrotado, mas, para não se revelar “inferior”, tem de esconder o que sente. Em vez de “ainda verei o teu fim”, diz: “Fico feliz com o teu sucesso”. A inveja devora as suas presas, mordida por mordida, e isso deve doer pra caramba. A inveja é mãe do ressentimento.
Todo mundo, sem exceção, já sentiu alguma forma de inveja (não patológica). Tenho mais experiência como invejado. Lembro que ignorei para sempre um amigo quando percebi a negatividade que a inveja dele me impunha. Superar a inveja orgânica é tão complicado quanto se livrar de um invejoso sutil. Em ambos os casos é como se estivéssemos lidando com um fantasma. Se não existe, por que continua aqui, na minha frente?
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Que reflexão relevante sobre um assunto tão delicado, que expõe o que todos querem esconder e que vasculha um tema tabu. Parabéns pelo texto, Sergio!