O ótimo livro “Tudo Sobre o Amor”, de bell hooks, aborda o amor como um valor humano com qualidades tão específicas quanto observáveis. O amor está (deveria estar) em todas as nossas relações com pessoas e com o mundo. Para nos guiar nas principais esferas de nossa existência – família, amizades, política, economia, trabalho, namoro, casamento e religiosidade – bell hooks propõe uma “ética amorosa” baseada na verdade e no senso de justiça.

DEFINIÇÕES E QUALIDADES
Nos dicionários, as definições tendem a enfatizar o amor dos casais. Bell hooks entende que a expressão “afeição profunda” não descreve de forma adequada o significado do amor, e opta pela definição de M. Scott Peck (1936-2005) baseada na obra de Erich Fromm (1900-1980): “O amor é a vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa”. [“Espiritual” no sentido de “integral”.]
Para amar verdadeiramente, deveríamos aprender a misturar várias qualidades inerentes ao amor: cuidado, carinho, respeito, confiança, compromisso e comunicação aberta e honesta: “Quando entendemos o amor como a vontade de nutrir o nosso crescimento integral e o de outra pessoa, fica claro que não podemos dizer que amamos se somos nocivos ou abusivos. Amor e abuso não podem coexistir. Abuso e negligência são, por definição, opostos a cuidado”, escreve bell.
QUEM É A AUTORA?
Seu nome é Gloria Jean Watkins (1952-2021). Nasceu em Hopkinsville, Kentucky. Passou a infância e a adolescência em uma comunidade segregada. O pseudônimo bell hooks vem da bisavó: Bell Blair Hooks. Prefere a grafia de seu pseudônimo em minúsculas para não chamar a atenção para si mesma, dizia. Suas pesquisas acadêmicas examinaram as conexões entre raça, gênero e classe. Feminista e ativista, publicou 40 livros e lecionou em várias universidades – Yale e Stanford entre elas.
“Tudo Sobre o Amor”, lançado em 2000 nos EUA, contém Ideias/premissas atraentes para quem quer entender o amor em sentido amplo: 1ª) temos vaga ideia do que seja amor, mas percebemos sua ausência. 2ª) sendo o amor pouco ensinado em família e nas escolas, acredita-se que o conheceremos por instinto. 3ª) a maioria das teorias e narrativas sobre amor foi produzida por homens. 4ª) a cultura patriarcal branca considera o amor perigoso. 5ª) Mais que sentimento, o amor é uma ética de vida.

A criança ferida dentro de muitos homens é um menino que, da primeira vez que falou suas verdades, foi silenciado pelo sadismo paterno, por um mundo patriarcal que não queria que ele reivindicasse seus reais sentimentos. A criança ferida dentro de muitas mulheres é uma menina que foi ensinada desde os primórdios da infância que deveria se tornar outra coisa que não ela mesma e negar seus verdadeiros sentimentos, para atrair e agradar os outros.
bell hooks, “Tudo Sobre o Amor”
A VERDADE E NADA MAIS
A relação entre o amor e a verdade é direta. Muitas pessoas aprendem a mentir na infância, para evitar punições ou para não desapontar ou magoar um adulto. Quem conta mentiras educadas ou diz o que os adultos querem ouvir sempre foi mais popular e querido (e mais bem recompensado) do que quem fala a verdade. Mulheres também “são estimuladas pela socialização machista” a fingir e manipular. Mentir como forma de agradar. E “homens aprendem a mentir como forma de obter poder”.
O amor que não se realiza no dia a dia por causa do hábito de mentir é gritante entre homens. Ao assumir os valores patriarcais, os homens aprendem que a melhor maneira de esconder a raiva constante que sentem/sentiram por não terem recebido amor é renunciando ao desejo de amar. Acredita-se ainda que homens podem dominar mulheres e crianças e mesmo assim serem vistos como “amorosos”. A mentira se sustenta na crença de que esconder informações é uma forma de controle.
AMOR-PRÓPRIO É AMOR
Não é tarefa fácil amar a si mesmo(a). Se fosse fácil, a baixa autoestima e o autoódio (descarregar a raiva interior contra si) não existiriam: “Quando vemos o amor como uma combinação de confiança, compromisso, cuidado, respeito e responsabilidade, podemos trabalhar para desenvolver essas qualidades ou, se elas já forem parte de quem somos, podemos aprender a estendê-las a nós mesmos”. E “precisamos saber dar a nós mesmos o amor que tanto desejamos receber de outra pessoa”.
Quando excluídas de seus empregos ou de suas atividades remuneradas (sejam quais forem), as pessoas tendem a perder o amor-próprio. Você conseguiria se apresentar tranquilamente a alguém sem dizer “o que faz na vida” (ou onde trabalha)? Aprendemos na juventude que nossa capacidade de amar a nós mesmos será moldada pelo sucesso profissional. Seja qual for a tua resposta, considere que amar a si mesmo(a) não tem nada a ver com egoísmo ou narcisismo, exceto em casos patológicos.
UMA ÉTICA AMOROSA
A obsessão por poder e dominação parece ter atingido grau máximo. Culturalmente, todas as esferas – política, religiões, empresas, famílias, relações íntimas – estão perdendo a “ética amorosa” de que fala bell hooks: “Uma ética amorosa pressupõe que todos têm o direito de ser livres, de viver bem e plenamente. Para trazer a ética amorosa para todas as dimensões de nossa vida, nossa sociedade precisaria abraçar a mudança”.
Amor é o que se aprende no limite,/ Depois de se arquivar toda a ciência/ Herdada, ouvida. Amor começa tarde.
Carlos Drummond de Andrade, “Amor e seu tempo”, do livro “As Impurezas do Branco”

Em nossa sociedade, falamos muito do amor e pouco do medo. De qualquer forma, estamos apavorados o tempo todo: “Como cultura, estamos [nós, americanos] obcecados com a ideia de segurança. Contudo, não questionamos por que vivemos em estados de extrema ansiedade e terror. O medo é a força primária que mantém as estruturas de dominação. Ele promove o desejo de separação, o desejo de não ser reconhecido. (…) Quando escolhemos amar, escolhemos nos mover contra o medo“.
MOMENTO E MOVIMENTO
A ética de dominação e violência faz com que indivíduos tenham dificuldade de levar a sério a necessidade de questionar o modo de funcionar do patriarcado: “Como qualquer sistema de dominação (como o racismo, por exemplo) o patriarcado precisa que acreditemos que em todas as relações humanas há um lado superior e um inferior, e, consequentemente, é natural que o poderoso domine quem não tem poder”. O momento de adotarmos a ética amorosa é agora.
POR QUE DEUS QUE FEZ O HOMEM A SUA IMAGEM E SEMELHANÇA NÃO O DOTOU DESTE AMOR?