Quem depende de criatividade para sobreviver sabe que o bloqueio é inevitável. Milhares de criadores experientes ou iniciantes, profissionais ou amadores, famosos ou não famosos estão neste momento lidando com a secura do poço que até ontem transbordava. Mas criatividade não é assunto apenas para profissionais das áreas de cultura e ciência. É um assunto que envolve todos nós, pois precisamos de criatividade no dia a dia. Como desbloquear a criatividade, eis a questão.

MAIS DE UM ANO
O período de bloqueio é tão confuso quanto contraditório. É como se de repente você acreditasse que deixou de saber fazer o que mais sabe. Experimentei bloqueios muitas vezes. O último deles durou mais de um ano. Começou a ficar perceptível no início de 2021, ainda em plena pandemia.
Eu tinha todo o tempo do mundo para investir em novo projeto ou retomar projetos engavetados. Em vez disso, afundei em dúvidas sobre quem sou e do que sou capaz. Repetia para mim mesmo “desta vez é sério: o momento de jogar a toalha está se aproximando”. A sensação talvez seja parecida com a de um esportista forçado a interromper a carreira por causa de uma contusão. Mas eu não estava contundido.
IDEAIS DE SEGURANÇA
A experiência, os livros e os estudiosos da criatividade me trouxeram lições imprescindíveis: 1ª) o lado criativo do cérebro não pode ser efetivamente alcançado – ou acionado – apenas pela razão. O cérebro artístico, que todos temos (eu, você, todo mundo), é sensorial. Leia esse “artístico” sempre no sentido de “criativo”. 2ª) criadores são como crianças. Precisam de apoio, nutrição e compreensão. 3ª) o bloqueio criativo nos dá segurança: “Ufa, agora que o poço secou não preciso mais correr riscos”.
A criatividade nunca foi sensata. Por que deveria ser? Por que você deveria criar de modo sensato?
Julia Cameron, autora de “O Caminho do Artista”
É uma segurança falsa, claro, mas que te tranquiliza. Em 15 meses de bloqueio, o que fiz? Me pendurei na tevê. Assisti a dezenas de seriados e filmes, um hobby fascinante, mas passivo. Outra coisa que fiz com afinco foi ler sobre os temas candentes da minha psicoterapia, na época: pais emocionalmente imaturos; traumas; abuso psicológico; ruminações mentais, etc. Escrever que é bom, nada.
CERTEIRO E RENTÁVEL
A criação exige leveza, alegria, ilusão, entusiasmo, desvios de rota, escuridões, incertezas, ziguezagues, brincadeiras, caos. Você pode encontrar o que procura onde menos espera. Rale uma cenoura, descasque uma maçã, costure a bainha de uma calça, troque a terra dos vasos de flores, use a imaginação para especular como seria a vida de uma vaca se ela pudesse voar, enfim, observe, sinta, imagine. Nenhuma solução sensorial me resgatava, infelizmente.
Bloqueio não é escolha. Escolhas tendem a ser para melhor (em tese). E mesmo quando acabam se revelando equivocadas, tuas escolhas não te limitam para sempre. O bloqueio não. Ele é como um fantasma. Você sabe que o fantasma existe porque o viu, mas ninguém acreditaria. Daí você aprende a conviver com o tal fantasma, negando-o e ao mesmo tempo fingindo que se dá bem com ele, e opta pelo que é seguro, certeiro e “rentável”.
OUSADIA E CIVILIDADE
Todos precisamos de muita criatividade no dia a dia, em situações diversas, que vão desde a capacidade para resolvermos problemas à aptidão para nos divertirmos. É uma demanda eminentemente humana, baseada em curiosidade e vontade de gerar coisas novas, melhorar os ambientes nos quais transitamos, facilitar processos de aprendizagem, aperfeiçoar continuamente o autoconhecimento e desenvolver ideias viáveis.

Muitas vezes, é a ousadia, não o talento, o que nos induz à criatividade. Mas a noção de que o talento é inato ainda emperra a vida de muita gente por aí. A pesquisadora Carol Dweck demonstrou isso em seu livro “Mindset”. Julia Cameron, por sua vez, mostrou que os bloqueios enfrentados por pessoas criativas resultam de visões sociais equivocadas sobre o que é o criar.
ERROS E SABOTAGENS
Se quer ser mais criativo, comece perdendo o medo de estar errado, e evite masoquismos e autoflagelações. Afaste-se de pessoas muito convencionais e/ou tóxicas, que drenam a tua energia criadora. Em vez disso, aproxime-se de gente nutritiva, habituada a criar, e troque experiências. Além disso, você tem de lutar para não reproduzir os preconceitos sociais sobre artes e artistas.
A criação de algo novo não é realizada pelo intelecto, mas pelo instinto de brincar, que age por necessidade interior.
C . G. Jung
Importante também você não deixar que a tua insegurança se transforme em autossabotagem. Procrastinação e perfeccionismo são os sinais de autossabotagem mais evidentes. Enquanto estive bloqueado, fui vítima de uma série de desatenções. Desatenção tem a ver com ruminações mentais que, por sua vez, têm a ver com dores emocionais. O futuro me parecia aterrorizante demais para ser contemplado e o passado doloroso demais para ser lembrado. Investi no presente, então.

DELICADEZAS E MIMOS
Em contextos adversos, procure incentivar-se com delicadeza, não com exigências agressivas, severas. Friezas e cinismos estavam me fazendo muito mal, na época. Mime-se. Isso mesmo: mimar-se. Cuidar bem de si. O que fiz nesse sentido? Comprei um violão, voltei a tocar. Passei a ouvir música de gêneros diversos, rompendo com o conforto e a previsibilidade que os clássicos e o jazz sempre me deram. Também foi importante em minha recuperação a bicicleta, perder peso e visitar mais museus.
Sabe qual foi a primeira coisa que notei quando minha criatividade e autoconfiança começaram a renascer das cinzas? Minha vida estava mudando em aspectos não diretamente ligados ao criar. Havia feito faxinas nos armários. Havia doado roupas que não mais me descreviam (até porque havia perdido seis quilos), havia comprado um binóculo para observar pássaros, passei a ler livros infantis e juvenis para imaginar a criança que me impediram de ser. Enfim, você tem de quebrar padrões e experimentar.
Parabéns pelo texto, você conseguiu resumir em um único texto quase todas as respostas que que eu precisava pra vencer o bloqueio criativo. Por mais textos assim.