O ritmo diário frenético nos dá a impressão de que a vida é uma corrida de cem metros com barreiras. Mas, na verdade, ela é uma maratona que exige estratégias de médio e longo prazo. Temos que monitorar o nível de energia o tempo todo. E treinar para atravessar a linha de chegada em boa forma. Fundamental, portanto, refletir antes de agir, estudar o território antes de se aventurar e, claro, saber esperar. Não, não é possível viver sem paciência, mas, para desenvolver a paciência, é preciso paciência também. Nunca precisamos tanto de paciência como agora, e nunca o estoque esteve tão baixo (não é para menos). Como evitar a pressa e o desespero? O primeiro passo é aceitar que a paciência é uma forma de ação, não de resignação.

TEMPOS INÓSPITOS
O filósofo alemão Georg Simmel (1858-1918) afirmou que a Era Moderna é a Idade da Impaciência. Se Simmel nos visse hoje, o que diria? Há uma disputa contra o tempo. Os séculos parecem estar se tornando mais breves. No entanto, a paciência pede uma dilatação do presente, um alongamento do tempo, uma pausa nas mudanças incessantes. É uma atitude baseada na certeza interior de que as coisas têm seu tempo; de que para tudo é preciso tempo; e de que não há como andar mais rápido, principalmente em situações sobre as quais não temos nenhum controle.
A cultura do consumismo incentiva a pressa no descartar e a intolerância à adversidade. Se um produto ou serviço não está funcionando bem, você joga-o fora e compra outro. Por que se preocupar com paciência se podemos nos desvencilhar do problema agora, já? Essa compulsão de tentar livrar-se de incômodos o mais rápido possível é nociva tanto para nós quanto para o meio ambiente. Já notou que estamos sempre correndo de um lado para outro sem saber exatamente para onde estamos indo ou se “chegar lá” faz sentido realmente?
FOME DE GRATIFICAÇÃO
A tecnologia está melhorando e simplificando alguns aspectos do nosso cotidiano. Por outro lado, ela nos habitua à ideia de que podemos obter qualquer coisa no momento em que a desejamos. As grandes empresas do mundo contratam as mentes mais brilhantes para criarem produtos/serviços que alimentam nossa fome de gratificação (ou satisfação) instantânea. Se você não evita uma recompensa imediata hoje (comer chocolate, por exemplo), na próxima vez será ainda mais difícil resistir, e assim por diante.
A intenção de cultivar a paciência já é meia conquista
– Yvonne Rand (1935-2020), professora e líder zen budista
Quem é fã de seriados, como eu, já deve ter ouvido falar em binge watching: assistir a vários episódios de uma série de uma vez, sem intervalos. Pesquisadores descobriram que, de episódio em episódio, nossa mente produz dopamina e, para não perder a sensação boa que esse neurotransmissor produz em nós, queremos mais e mais episódios, um atrás do outro. Descobriram uma ligação entre binge watching, solidão e depressão. As consequências mais visíveis disso são o aumento do cansaço e a insônia. Já estão falando em “dependência de TV”, como ocorre com comida, álcool, drogas e sexo. Dependente, acho que não sou. Ainda (risos).
TÉDIOS E ABSTENÇÕES
O tédio. Ele está em toda parte, mas parece culturalmente proibido. Estar entediado é visto como uma inadequação. Esperar a comida cozinhar é chato? Enfie tudo no micro-ondas. Esperar o desenrolar de um longa-metragem é chato? Aperte a tecla de avanço rápido. Ler um livro inteiro é chato? Leia o resumo na internet. Queremos tudo para ontem e precisamos ser constantemente estimulados, para não nos entediarmos. No entanto, os problemas que consideramos externos – o livro, o filme, o emprego, o relacionamento, etc. –, na realidade estão dentro de nós.
O tédio, afirmam os pesquisadores, decorre da nossa dificuldade de adiar um prazer e da nossa baixa resistência à frustração. Esses dois motivos ameaçam a probabilidade de sucesso na carreira e no amor, dizem. “Ao contrário da bondade, da gratidão ou da generosidade, que estão relacionadas a coisas que a gente faz, a paciência tem muito a ver com as coisas que a gente não faz. Tem a ver com segurar-se quando quer se soltar, tolerar o que parece insuportável e esperar que alguma coisa aconteça em vez de forçar barra”, escreve M.J.Ryan em “O Poder da Paciência”.
HÁBITOS CRIADOS
Psicólogos e filósofos dedicados ao tema da paciência afirmam que tanto a impaciência quanto a paciência são hábitos que podem ser mudados. A paciência é como um músculo. Todos temos músculos, mas algumas pessoas são mais fortes fisicamente porque se exercitam mais. Diferentemente da passividade, a paciência é uma forma de ação. Uma ação que nós executamos (ou não). Para mudar hábitos, a gente precisa de uma motivação específica: a certeza de que o novo comportamento nos trará recompensas. Com o tempo e com experiências você pode aprender a usar a paciência a teu favor.

Sempre fui muito impaciente e intolerante com adversidades e com pequenas frustrações cotidianas. Isso me levou a tomar algumas decisões apressadas, apenas para me livrar rapidamente dos períodos de incerteza, que me deixavam ansioso. Decisões guiadas por ansiedade, você sabe, mais tarde podem pesar uma tonelada. Pelo menos entendi que a paciência não é inata, que ela tem mais a ver com o ambiente em que fomos criados do que com os genes. Fui criado em um ambiente rigidamente controlado, estressante e de pouco afeto, mas posso escolher ser paciente tanto quanto posso escolher meus amigos. É uma opção em prol da serenidade, algo bom.
DIA APÓS DIA
Por que o desenvolvimento consciente (a prática constante) da paciência é tão importante? Porque sem paciência não aprendemos as lições que a vida nos ensina, e isso dificulta o amadurecer. Sem paciência, você fica preso naquele estágio do “bebê nervosinho”, incapaz de adiar a obtenção do prazer imediato para se dedicar à busca do que realmente deseja – e que certamente exigirá muita paciência, como sempre. Vejo também uma relação direta entre paciência e ruminação mental (ficar pensando, pensando, pensando no passado, tentando repará-lo dentro da cabeça, inutilmente). Fui muito assim.
Quem tem paciência, não rumina, creio. Não fica pensando em como um determinado episódio poderia ter sido diferente; não acredita que a vida só terá sentido quando determinada coisa acontecer, como passar num concurso público, encontrar o parceiro ideal ou comprar a casa com piscina e jardim igual à que vovó sonhava e não pôde ter. Então, em vez de repetir para mim mesmo “não vejo a hora de…”, agora aceito com serenidade (não é fácil, devido à vida que tive) que só posso avançar na velocidade de um dia a cada dia. Essa atitude vale para todas as circunstâncias.
NATUREZAS E SILÊNCIOS
O tempo da natureza é perceptível, mas estamos tão acostumados a nos dissociarmos dela que não percebemos mais os seus ciclos. Nas grandes cidades, então, nem se fala. Por acaso nosso tempo de humanos seria diferente do tempo da natureza? Em tese, não. Nós também precisamos do tempo e de suas variações perceptíveis nas quatro estações, apesar do caos climático, que está transformando invernos em verões e vice-versa. Aqui nos Montes Apeninos, onde moro desde junho de 2021, passei a observar como a natureza se transforma de acordo com as translações.
Para a prática da paciência é fundamental saber quando parar de ser paciente
– M.J.Ryan, autora de “O Poder da Adaptação”
No último inverno li um livro especial: “Autobiografia Della Neve”, de Daniele Zovi. Adoro a passagem em que o autor explica por que a neve produz silêncio enquanto cai. Os cristais de neve, ao se unirem para formar flocos, capturam o ar, absorvem o som e evitam que as ondas sonoras se difundam facilmente como ocorre em outras condições. Os ruídos (todos) ficam abafados. O silêncio durante uma nevasca em zona rural é incrível. Aproveitei aqueles silêncios todos como se fossem (e eram) únicos. Te confesso: a paciência de observar (sem julgar) é talvez a maior das sabedorias.
AUTOCONTROLES E RITMOS
A paciência permite que a gente desfrute o momento presente em sua plenitude. E nos ajuda a sermos mais amáveis uns com os outros, mais confiantes nas complicações e mais capazes de obter o que queremos. Ela constantemente nos recompensa com os frutos do envelhecer saudável: relacionamentos honestos, trabalhos de alta qualidade e, sobretudo, uma maior consciência sobre o que significa, na prática, a “paz de espírito”. Esses “milagres” são alcançados pela união de três qualidades essenciais: serenidade, persistência e transigência.

– foto: Lorri Lang / Pixabay
A paciência possibilita o autocontrole. Em vez de nos deixarmos dominar por emoções, temos a liberdade interior de escolher como reagir aos acontecimentos. “A paciência é como a quilha de um barco”, escreve M.J.Ryan: “Ela nos permite manter a estabilidade nos mares mais revoltos da vida enquanto continuamos a nos mover na direção desejada. A paciência com certeza aumenta também as probabilidades de conseguirmos concretizar nossos sonhos”. A escrita, para mim, é o mais complexo exercício de paciência que conheço. Cada texto tem seu ritmo. O processo nunca se repete igualmente.
RAIVAS E INDIGNAÇÕES
Raiva e paciência mantêm uma relação distinta. Na realidade, a raiva é consequência direta da perda de paciência. É precisamente por não suportarmos algo ou alguém que ficamos com raiva: por que você fala alto quando estou escutando o noticiário sabendo que isso me irrita? Por que você diz, de maneira afetada, “que fantástico!”, até para coisas irrelevantes? Por que o bastardo do Putin cismou de invadir a Ucrânia? Por que um imbecil como Bolsonaro se acha o Messias? Ficamos com raiva porque é difícil encarar essas e outras condições ou porque a gente gostaria de poder acelerar os fatos.
Aprendi que a impaciência é o ponto de partida da irritação, que leva à raiva e que, conforme o caso, pode terminar em fúria. Importante lembrar que nem toda raiva é nociva. A impaciência pode ser um saudável aviso de que nossos limites foram desrespeitados e precisamos reagir antes que uma situação de injustiça, exploração ou abuso se instale. Será sempre cabível o esforço de transformar nossa raiva em indignações eficazes. Como? Assumindo atitudes firmes e expressando nosso protesto de forma objetiva. Quanto mais você cultiva a tua paciência, menos raiva você carrega consigo, te garanto.
EMPATIAS E AFETOS
Uma pergunta que nos ocorre com frequência: por que os outros não conseguem ser como eu? Well, não é que eles/elas não conseguem ser como você (risos). É que simplesmente não são. E nunca serão. Só a paciência pode ajudar a diminuir nossa irritação diante das inevitáveis diferenças. Me arrisco a dizer que a paciência nos abre o caminho para a empatia – a capacidade para colocar-se no lugar do outro e reconhecer e acolher seus sentimentos. A capacidade para a empatia através da paciência pode ter consequências positivas não apenas para nós, indivíduos sociais, mas também globalmente.
O pesquisador Martin Hoffman disse que “a empatia é a verdadeira base da moralidade”. A capacidade de sentir a dor dos outros e compreender seus comportamentos dentro do contexto que os molda nos faz agir de acordo com princípios morais, segundo Hoffman. A paciência também aumenta as chances de nossos relacionamentos durarem mais. As pessoas impacientes nos relacionamentos amorosos, por exemplo, tendem a desistir da outra pessoa mais cedo. Já quem aprendeu a não idealizar o amor, tem mais chances de prolongá-lo. A paciência une, apara as arestas, permite ao amor crescer e se desenvolver.
AUTENTICIDADES E INSUBMISSÕES
E o que a paciência não é? Não é ser submisso(a), por exemplo. Paciência é aceitar (e “suportar”) com tranquilidade e moderação. Para a paciência funcionar, você precisa ter profundo respeito por si mesmo e pelos outros. Aliás, a paciência pode ser aperfeiçoada com total respeito pelos teus pontos fortes e fracos. Ela é um comportamento estável (no bom sentido), que nasce da consciência de quem você é, de quem você gostaria de ser, de quais são os teus recursos para enfrentar teus problemas e de quais aprendizados você precisa adquirir.
A espera nos ajuda a confirmar nossos verdadeiros desejos
– David Runcorn, autor de “The Language of Tears”
Ser paciente não é calar-se diante de alguma coisa da qual você discorda ou que te faz sofrer. E se você pensa que ser paciente é suportar tudo, ser explorado, não fazer valer a tua vontade, renunciar, abrir mão de teus valores, reveja tua posição. Paciência tampouco é ausência de curiosidade, ímpeto ou ambição. Tais confusões talvez se difundam por falta de ponderação. Como tantas outras coisas na vida, a paciência é também uma questão de dosagem. Você não pode ser paciente com tudo. A gente aprende qual a dose ideal tentando, experimentando, errando, corrigindo.

“TUDO PARA ONTEM”
Quando você simplesmente se cala – e esse calar te cria um sofrimento interior que se propaga e torna a tua vida pesada –, você não está sendo paciente. Resignação (suportar sem questionar) não é paciência. A paciência mais “indicada”, digamos assim, você não a vê porque a pessoa que encara a paciência como forma de ação costuma ser simpática, vivaz, decidida; às vezes, ela é calma (apenas escuta); noutras, é ativa, intervém com palavras, mas nunca de modo judicativo. Tomar decisões no momento certo e olhar em perspectiva para avaliar os prós e contras é uma prova da paciência, não?
O “tudo para ontem”, base da cultura voraz em que vivemos, atiça o nosso crítico interno e nos enche de dúvidas. Por que para os outros é mais fácil? Mas é realmente mais fácil? Seria difícil só para mim? O “tudo para ontem” distorce a nossa percepção, nos faz pensar que somos sempre lentos. Acho que a gente precisa dar a nós mesmos o tempo necessário para cultivar e ver crescer; precisamos aprender a dourar menos o objetivo/alvo e parar de nos distrairmos com interrogações inúteis. Em vez disso, pavimente a tua estrada. A teu modo. E com paciência. [Leia também: “Saber esperar é uma virtude?”.]