Em tempos de fake news (desinformação) e de incivil defesa de crendices, a mentalidade geral tem se revelado, no meu entendimento, mais fechada que aberta, mais bairrista que universal, mais fundamentalista que humanista, mais automática que criativa. Mesmo assim, linguagem, imaginação e curiosidade continuam sendo as características definidoras de todos nós, como espécie, e isso não mudará. A curiosidade gera inovação.
Aquele ditado “a curiosidade matou o gato”, muito usado para alertar sobre o risco de ser curioso – e que, no fundo, desmotiva a curiosidade –, acabou ganhando um complemento certeiro: “Mas a satisfação o ressuscitou” (risos). A propósito, no âmbito científico, pesquisas comprovaram que a descoberta de informações por si só compensa os inevitáveis percalços da busca.
BUSCAR, PROCURAR
Do ponto de vista neurocientífico, a curiosidade é fruto de um investimento desinteressado que nos leva rumo ao desconhecido mesmo quando não temos um objetivo a atingir. No cotidiano, diferentemente, nossa curiosidade é movida por propósitos bem claros: procurar no Waze o percurso menos congestionado ou comparar preços antes de adquirir o produto com melhor custo-benefício.
Porém, o poder da curiosidade transcende a sua possível utilidade prática. Os esforços humanos para tentar compreender o Universo, por exemplo, sempre foram maiores do que os esforços pela simples garantia da sobrevivência. Ficou provado, aliás, que a nossa incrível “máquina sensorial” nos permite aprender e aprender até o fim da vida, se quisermos.
{A mente é como os músculos. Quanto mais exercitada, mais forte e vibrante.}
PERGUNTAR
Pessoas curiosas formulam perguntas e procuram respostas não apenas no Google ou em bibliotecas mas também dentro de suas próprias cabeças. Quando a curiosidade é despertada, a mente aguarda e antecipa ideias novas relacionadas ao assunto em questão, e isso nos permite encontrar o novo no velho e vice-versa; o verdadeiro no falso e vice-versa; e a discrepância no padrão e vice-versa.
{Agora imagine quantas ideias interessantes se perdem diariamente por absoluta falta de curiosidade.}
O talento é potencializado pela curiosidade, tanto a específica quanto a genérica. Quanto mais genérica, maior o risco de dispersão. Quanto mais específica, maior o risco de limitar-se. Mas o fato é que quem dá o melhor de si para aprender (escavando, escarafunchando, indo além, enfim, envolvendo-se) tem mais chances de aperfeiçoar suas capacidades globais.
DISRUPÇÃO INTERIOR
No mundo corporativo fala-se muito de disrupção em produtos e serviços, mas a disrupção está presente também na nossa vida interior, íntima, porque não existem garantias de que atitudes que traziam algum bem-estar ontem continuarão gerando bem-estar hoje ou amanhã. Estar permanentemente curiosos em relação a nós mesmos é uma necessidade, portanto.
Sem curiosidade, não há criatividade [defino a criatividade como “a arte de achar soluções viáveis para problemas complexos”]. Por isso todo espaço educacional deveria reconhecer e premiar a abertura mental, o desejo de saber e a consciência ética e social. Se, em vez disso, inibir a imaginação e enfatizar diferenças (de classe, raça, etnia, gênero, etc.) o aprendiz estará despreparado para os desafios contemporâneos.
POR QUÊ?
Outro ponto importante sobre esse tópico: é mais difícil manter-se curioso em relação a uma coisa que a gente não sabe se existe ou possa existir. Daí a necessidade de pais, professores, curadores, comunicadores, bloggers, etc. ajudarem seus “pupilos” a formarem um amplo leque de porquês. Os curiosos em geral adoram porquês. Então, por que…
- a lua não aparece no céu todos os dias?
- sinto frio e tremores quando tenho febre?
- a qualidade da educação no Brasil é baixa?
Embora a curiosidade possa ser adquirida e reforçada (sobretudo na infância) os fatores que mais a incentivam não são aqueles culturais (externos), mas sim o motor interno de cada indivíduo, com a sua autobiografia singular e tudo o mais que decorre disso, como a necessidade de encontrar-se e a coragem de transformar.
FUNÇÃO PRIMÁRIA
Mais: a curiosidade inspira todas as coisas mais emocionantes das nossas vidas e está por trás de toda as pesquisas científicas e todos os processos pedagógicos. “Só os humanos têm essa capacidade de observar os acontecimentos e questioná-los. Então, torço para que um dia a curiosidade seja epidêmica entre nós”, brinca o astrofísico Mario Livio, autor de “Por quê? O Que Nos Torna Curiosos?”.
O DESPERTAR
Sim, a função primária da curiosidade é motivar o aprendizado e a aquisição de conhecimento. Cientistas cognitivos afirmam que quem aprende movido exclusivamente pela vontade de saber tem mais condições de entender e recordar no longo prazo as noções assimiladas. “Nosso cérebro funciona melhor quando exercemos a nossa capacidade de busca e descoberta”, sublinha Mathias Gruber (Cardiff University).
E quais são as potenciais situações nas quais a nossa curiosidade tende a ser despertada imediatamente? Inumeráveis. Mas podemos pensar em algumas possibilidades. Por exemplo, somos despertados quando uma informação…
- cria uma lacuna entre o que você sabe e o que você acha que deveria saber;
- não se encaixa na percepção mais geral;
- possui uma forma e um conteúdo diferentes da forma e do conteúdo que, em tese, ela deveria ter;
- parece extraordinariamente trivial;
- faz (ou não faz) sentido.
Importante se manter atento aos momentos em que sua curiosidade é ativada e formular perguntas de modo intrínseco e contínuo sobre as suas experiências com o mundo e consigo mesmo(a). Procure também ser mais curioso e menos judicativo. Finalizando, duas provocações para você refletir e se divertir: 1) A curiosidade é o melhor antídoto contra o tédio? 2) A curiosidade gera inovação?