Decisões cruciais afetam nosso destino. Isso é diferente da maioria das opções cujo processo decisório ocupa grande parte do nosso tempo diário, e que, em geral, não têm grande importância. A psicóloga e economista Sheena Iyengar estuda como as pessoas escolhem (e o que as faz acreditar que são boas em escolher). Sheena tem quatro dicas para lidarmos com a sobrecarga de opções:
- cortar: não deixar que motivações estritamente publicitárias ou mercadológicas entrem no campo das suas escolhas;
- concretizar: arregaçar as mangas e enfrentar o problema. Evitá-lo só vai dificultar ainda mais a escolha;
- categorizar: agrupe itens por categorias. Exemplo: das centenas de sapatos que você encontrou em uma loja, dez lhe atraíram porque são confortáveis e/ou bonitos e/ou úteis. Agrupe-os: A) sapatos confortáveis; B) sapatos elegantes; C) sapatos para uso diário; D) sapatos sociais… E por aí vai. “As pessoas lidam melhor com categorias do que com opções”, concluiu Sheena em suas pesquisas.
- do mais simples para o mais complicado: haverá sempre mais informações do que somos capazes de processar. Então, é melhor partir do item/opção mais fácil.
No entanto, essas dicas simples dela se referem não só às “coisas” que precisamos e/ou desejamos mas também às “coisas” que nem estávamos considerando e que de repente surgiram em nosso caminho.

MUDANDO O ENFOQUE
Agora acho que precisamos sair do mundo das escolhas que têm a ver com consumo/consumismo e pensar um pouco sobre outro tipo de escolha, esta sim super complicada: as decisões cruciais, aquelas que podem mudar nosso destino de maneira irrevogável. Nas decisões cruciais, o número de alternativas é geralmente pequeno. Em muitos casos, estamos lidando com “apenas” duas opções ou mesmo com nenhuma. Exemplos:
- Carreira: o que cursar? Arquitetura, publicidade ou medicina? Nem sempre você pode voltar atrás e recomeçar do zero.
- Moradia: ir para uma cidade do interior, onde moram seus pais idosos, ou para uma vila perto do mar, como você sempre sonhou?
- Relacionamento: casar-se com o Cláudio ou com o Roberto? Com a Clara ou com a Lívia?
- Família: ter um filho, dois ou nenhum?
- Saúde: na mesma semana em que você, filho único, descobre o câncer de sua mãe seu chefe lhe oferece um cargo importante na matriz. Fantástico, mas a matriz fica em Londres.
- Educação: mãe solteira dividida entre colocar o filho em uma renomada escola de Pedagogia Construtivista, para onde foram todos os amigos do menino, ou para uma de Pedagogia Waldorf.
- Dinheiro: poupo eu mesmo ao longo dos anos, com disciplina, ou faço uma aposentadoria privada?
ANGÚSTIA E AGONIA
Decisões importantes costumam gerar angústia e agonia. O que as torna difíceis é a maneira como se relacionam entre si as poucas alternativas disponíveis. É um problema bem diferente daquele de escolher um entre 84 hotéis na mesma cidade, todos na mesma faixa de preço. Escolher um entre tantos hotéis é fácil. Você vai sempre achar um critério seu, pessoal, que faz com que uma opção seja melhor que as outras.
Nos momentos decisivos não é assim. Todas as alternativas têm pros e contras e nenhuma é melhor do que a outra, necessariamente. Vivi isso na pele muitas vezes. A última foi há dois anos, quando estava dividido sobre qual rumo dar à minha vida. Tinha três opções boas. Podia: 1) Continuar produzindo biografias patrocinadas; 2) Ir para Nova York fazer um pós-doutorado (já havia sido até aceito pela CUNY); 3) Abandonar tudo e experimentar algo completamente diferente.
FRIO NA BARRIGA
Com um frio na barriga, escolhi a terceira opção. Em 2106, vim para a Itália (Florença), onde não conhecia ninguém. No início, ganhei a vida, em parte, como greeter, recepcionando (e dando as boas vindas aos) turistas internacionais, uma atividade completamente diferente das que conhecia até então. Dito assim, resumidamente, posso te dar a impressão de que meu processo foi objetivo e claro. Não é o caso. Foi bem complicado. Me mobilizou por mais de um ano e exigiu diversos pactos novos (incluindo um novo pacto comigo mesmo).
Que interessante: grandes e pequenas decisões têm mais ou menos o mesmo grau de dificuldade porque ambas impactam o nosso futuro. Sendo assim, se mesmo com todas as dificuldades você é capaz de decidir entre um alimento gorduroso e um alimento saudável no café da manhã, o que lhe impediria de decidir entre casar ou não casar? Acho que você já entendeu o espírito da coisa.
NÃO MISTURAR
Ruth Chang, estudiosa de processos decisórios e autora de “Making Comparisons Count”, acredita que é melhor avaliar com serenidade do que optar – por desconhecimento, medo ou preguiça – pela alternativa aparentemente mais segura. Você detesta o seu emprego, mas o seu chefe lhe dá um aumento de 25% para evitar que você cometa “a burrice” (na visão dele) de pedir demissão para finalmente fazer o que você mais gosta: esculpir torsos em madeira e vendê-los em feiras.
Você já está quase decidido a cair fora, mas resolve fazer as contas. A conclusão é óbvia: sua vida material vai melhorar com 25% a mais todo mês. Por outro lado, na prática, você terá de corresponder às expectativas do seu chefe. E o que fazer com sua demanda artística? Ruth Chang, estudiosa de processos decisórios, acha arriscado misturar valores como justiça, idealismo e estética com componentes científicos como comprimento, volume e peso.
DÚVIDAS E VARIÁVEIS
Variáveis como a vivacidade de um bebê engatinhando, o amor que você tem pelo seu pai, a “paz interior” que teu cão te proporciona, etc. não podem ser mensuradas. “O mundo dos valores é diferente do mundo da ciência. Em determinado âmbito, as coisas podem ser quantificadas. Em outros não. O ‘mundo do é’ não tem a mesma estrutura do ‘mundo do deveria ser’, aquele em que supostamente seremos mais felizes.”

Em sua palestra no TED Chang faz uma afirmação que eu, particularmente, adoro. Segundo ela, o processo de uma decisão difícil deveria revelar alguma coisa nova sobre nós mesmos, porque uma decisão, seja qual for (incluindo aí a decisão de permanecer indeciso), nos coloca diante de novos eus. Mais: passado o processo decisivo, os canais antes entupidos se desobstruem e a vida volta a fluir em toda a sua integridade.
FEELING E INTUIÇÕES
Quando criamos as motivações para nos tornarmos o tipo de pessoa que realmente somos, acontece uma coisa incrível: nós nos tornamos essa tal pessoa que realmente somos (risos)! Isso de “querer ser o que realmente somos” é o oposto de “ser guiado pelas escolhas alheias”. Honestamente, acho que a gente devia celebrar o fato de que, no fundo, no fundo não é a razão que governa as decisões cruciais, mas sim as nossas intuições (clique neste link para ler o meu texto sobre intuições).
Não deixe de ler outros dois artigos meus diretamente relacionados a escolher/decidir: “Nossas escolhas contêm paradoxos” e “Escolhas e decisões tomam tempo“.
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