Uma vida sem arrependimentos é impossível. Escolher um caminho pressupõe rejeitar outros. Se você escolheu ficar solteiro(a) optou também por não descobrir como é estar casado(a); se escolheu ficar na sua cidade natal optou também por não descobrir como seria a sua vida se tivesse ido morar noutro lugar. Em qualquer circunstância, porém, arrepender-se é um ato de coragem. Significa abrir-se para a possibilidade de fazer diferente, tentar de novo, recuperar-se.

NADA DE REMORSO
Diante de uma decisão X ou Y, se escolhemos X o arrependimento só começa quando olhamos para trás e estabelecemos comparações entre uma situação concreta e outra, especulativa. Sim, o arrependimento pressupõe uma retrospectiva. Você compara a vida que realmente viveu (como resultado da escolha X) com a vida que você poderia ter vivido (se tivesse escolhido Y). Então, sublinhe aí: a causa de um arrependimento pode ser tanto uma decisão trivial quanto uma decisão crucial (ou outras formas de decisão situadas entre esses dois extremos).
Os arrependimentos não têm apenas origens diferentes. Têm graus diferentes também. Arrepender-se do prato que você pediu em um restaurante é muito diferente de arrepender-se de recusar uma oferta de trabalho naquela empresa que você admira. Arrepender-se do que fez na noite passada é diferente de arrepender-se de uma “burrada” de vinte anos atrás. Pelo mesmo raciocínio, pensar no arrependimento que você pode sentir amanhã cedo pelo porre que tomará hoje à noite é diferente de pensar em se arrepender por ter negligenciado uma amizade importante.
REMORSO É OUTRA COISA
Não, não estamos falando de remorsos existenciais vagos.
Aliás, é importante não confundir arrependimento com remorso. O arrependimento é uma questão muito pessoal. Refere-se a uma avaliação negativa que temos de nós mesmos por causa das escolhas que fizemos, independentemente de juízo moral. O remorso não. O remorso é focado no outro, possui um tom moralista e se refere a uma avaliação negativa de nós mesmos por causa do impacto que nossas escolhas supostamente tiveram na vida de outras pessoas. Qualquer semelhança com culpa não será mera coincidência.
As consequências dos nossos atos não dizem respeito apenas a nós mesmos e ponto. Certos “erros” de avaliação/julgamento nossos podem afetar uma região ou mesmo o mundo inteiro. Afinal, as escolhas se justificam pelas circunstâncias (o “momento histórico”) em que foram tomadas? Sim e não.
TE AVISEI?
Vejamos um exemplo (no âmbito político). Em 2018, quando eu já morava na Itália (moro aqui desde 2016), lamentei a eleição daquele presidente maldito: autoritário, falso, retrógrado, malévolo e cercado de gente da pior espécie. Mas não tenho arrependimento em relação a isso porque não votei nele. Por outro lado, sei que milhões de eleitores brasileiros estão agora se perguntando: “Onde eu estava com a cabeça quando acreditei nesse sujeito?”. Pois é. Mas não perca de vista que arrepender-se é um ato de coragem.
E não se esqueça de que a maioria dos arrependidos tem – nós mesmos temos, às vezes – dificuldade de assumir publicamente nossos dramas em relação ao passado porque vivemos em uma cultura que condena o “erro”, e isso, infelizmente, não estimula a (valorosa) atitude de voltar atrás. Ou seja, ficar batendo na tecla do “mas eu (te) avisei, não avisei?” pode gerar mais resistência do que reflexão.

LACUNAS DO OLHAR
Não se deve forçar alguém a se arrepender. O arrependimento vem de dentro, não de fora. Então, em vez de tripudiar sobre os concidadãos desapontados, que tal expressar uma receptividade inovadora? Algo assim: “Seja bem-vindo à multidão de eleitores arrependidos, descontentes, revoltados e realmente preocupados com o destino do país”. Afinal, estamos todos no mesmo barco, não?
Voltando ao arrependimento como tópico filosófico/psicológico: considere o fato de que todos nós somos ótimos inventores de explicações, mas temos mais facilidade em racionalizar os efeitos negativos de uma ação equivocada do que em explicar o porquê de não termos tomado atitude nenhuma em determinado momento. A sensação de inércia, ao que parece, é mais aderente à nossa memória do que o “mal feito”, e talvez por isso seja a causa de tantos arrependimentos por aí.
LACUNAS E VERSÕES
No fundo, os arrependimentos são frutos das lacunas existentes no modo como nos vemos. Lacunas entre quem somos agora (o nosso eu real), quem gostaríamos de ser (o nosso eu ideal) e quem deveríamos ser (o eu que é filtrado pela normas morais e pelas expectativas depositadas em nós pelos outros). Quando não conseguimos viver de acordo com a versão ideal de nós mesmos, o que acontece? A gente se sente desiludido e desanimado.

No entanto, o arrependimento pode ser enfrentado de maneira apropriada, com claros efeitos benéficos. Um pouco de divagação sobre o “e se…” faz bem à saúde. Exemplo: …e se em vez de jornalismo eu tivesse estudado psicologia, ou arquitetura, ou história, ou ciência da computação ou filosofia (cursos que considerei, na época)? Uma coisa é certa: eu seria outra pessoa (risos). Mas o mais importante é que, ao escavar seus sentimentos e ações do passado, você está combatendo:
- o remorso;
- a repetição;
- a autocomplacência;
- a autocondenação.
E SE EU TIVESSE…
Não, refletir sobre os próprios arrependimentos não é um exercício de autoindulgência inútil, como você já deve ter ouvido de pessoas cuja única preocupação é minimizar seus arrependimentos para não parecerem vulneráveis. Arrepender-se é um ato de coragem, lembre-se. Assim como existem pessoas que passam a vida dizendo para si mesmas “ah, e se eu (não) tivesse…” existem outras que fazem desse mesmo “e se…” uma estratégia para se tornarem melhores do que são. E dizem que funciona. E acredito que funcionam mesmo.
…
Saiba mais sobre Sergio Vilas-Boas.
Siga o Sergio no Instagram.
Precisa de produtor de conteúdos? Fale com o Sergio.