Precisamos falar sobre a vergonha causada por sentimento de inferioridade e medo do julgamento alheio. [A vergonha efetivada por atos indecorosos (de políticos) fica para outra oportunidade.] Todos sentimos vergonha alguma vez: vergonha de falar em público; vergonha de participar de um trabalho em grupo; de usar uma roupa diferente; de parecermos inseguros, idiotas, ingênuos, inadequados, interesseiros, ignorantes, chatos, etc., etc.
A vergonha é uma maneira de não demonstrarmos sentimentos que acreditamos que poderão ser vistos como negativos pelos outros. Por estar diretamente ligada ao “outro”, a vergonha está no rol das emoções que podem limitar a nossa existência e talvez por isso evitamos falar a respeito; talvez por isso preferimos anestesiá-la, exatamente como fazemos com outros sentimentos incômodos como medo, raiva e frustração.
ANESTESIAS
O problema é que quando tentamos anestesiar uma parte de nós – ou seja, quando tentamos colocar um ponto final no que estamos sentindo a fim de não o sentirmos nunca mais – a gente acaba anestesiando também outros “órgãos” que estão ali por perto, como a coragem (no caso do medo), a serenidade (no caso da raiva), o entusiasmo (no caso da frustração) e a autoaceitação (no caso da vergonha).
Então, você deixa a sua vergonha lá no fundo do quarto de despejo e assim esconde a sua dignidade e a sua confiança em si mesmo. Mas, no fundo, no fundo do que estamos falando quando falamos de vergonha? “Do medo de perder a conexão com as outras pessoas por não sermos o que gostaríamos de ser ou por não sermos o que pensamos que os outros gostariam que fôssemos”, diz a pesquisadora Brené Brown.
FRASES
Frases como “não sou bom/boa o suficiente”, “não sou magro(a) o suficiente”, “não recebo atenção o suficiente”, “não consigo me soltar o suficiente”, entre outras, denotam vergonha. Dito assim, pode até dar a impressão de que se trata de sentimento de culpa, mas não. Vergonha é diferente de culpa. Uma pessoa se sentindo culpada está dizendo para si mesma “eu fiz algo de ruim”, enquanto o envergonhado está se dizendo “eu sou ruim”. É diferente.
Outra diferença: quando nos estimula a tomar uma providência em relação a um relacionamento enrolado, por exemplo, o sentimento de culpa pode até ser saudável. Mas não se pode dizer o mesmo da vergonha. Uma coisa é ter vergonha de falar em público mas criar coragem, fechar os olhos, subir no púlpito e… falar. Outra coisa é a vergonha profunda, aquela que estabelece as lentes através das quais a pessoa constrói as suas autoavaliações (nada boas).
ESSÊNCIA DE VIDRO
O reino da vergonha é assombrado pela vulnerabilidades e fragilidades. Em seu livro “Fragilidade”, Jean-Claude Carrière reitera (citando Shakespeare) que precisamos aceitar a nossa “essência de vidro” para termos mais coragem e vivermos melhor. Reconhecer a fragilidade como parte do jogo da vida seria também um antídoto contra a intolerância, diz ele.
“Ao tentar negar ou ocultar a ‘essência de vidro’, a humanidade produziu ao longo dos séculos guerras, religiões, violência e autoengano. Dos fundamentalismos religiosos à engenharia genética, dos livros de autoajuda às ilusões das cirurgias plásticas, continuamos tentando escapar da fragilidade que nos constitui.”
TEIAS
Brené Brown (Universidade de Houston), que define a vulnerabilidade como “um risco emocional ou uma exposição à incerteza”, ouviu milhares de pessoas de diversas culturas, idades e classes sociais sobre como a vulnerabilidade impacta as suas vidas. Concluiu, entre outras coisas, que a vergonha é sentida de modo diferente por homens e mulheres.
Para as mulheres, é “uma teia de expectativas inalcançáveis, contraditórias e competitivas sobre quem elas deveriam ser”. Para os homens, vergonha diz respeito ao temor de estar/parecer fraco. Não por acaso os homens e as mulheres escondem suas vergonhas (literalmente ou simbolicamente). Agem assim porque quando nos expomos ou nos mostramos frágeis é realmente alto o risco de sermos pré-julgados. Mas convenhamos: esse tipo de risco é parte integrante da nossa eterna luta por amor e pertencimento e existe em tudo o que fazemos ou deixamos de fazer.
AUTOCOMPAIXÃO
Segundo Brené Brown, apenas uma variável separa as pessoas com fortes sentimentos de amor e pertencimento das que lutam loucamente para tê-los (e não se satisfazem): “Pessoas que têm esses sentimentos fortes dentro de si acreditam que merecem o que são e o que possuem, enquanto quem luta por isso mostra não apenas que não acredita em si mesmo(a) como também que não é merecedor(a) do que tem. Eu diria que é uma questão de auto-compaixão. Mas se não praticarmos a compaixão em relação a nós mesmos, como seremos capazes de ter compaixão pelos outros?”.
Vivemos em um mundo vulnerável por natureza. Tudo parece bem arquitetado, estável e sob controle, mas a fragilidade é onipresente. Basta parar de olhar somente para o próprio umbigo e captar o quão cheio de imprevistos foi (ou está sendo) o seu dia de hoje. Então, uma das formas de lidarmos com esse caos contínuo é não ficar escondendo as nossas fragilidades como se elas fossem necessariamente repulsivas.
A gente meio que se acostumou a associar a fragilidade a emoções “sombrias” como solidão, tristeza, angústia e insegurança, e se esquece que a vulnerabilidade é o centro de emoções absolutamente necessárias como alegria, amor, criatividade e inovação. O fato é que vulnerabilidade não significa fraqueza. Ao contrário, afirma Brown: “A vulnerabilidade é a mais precisa medida de coragem que podemos ter”.
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Oi Sérgio, ótima esta reflexão sobre o medo e a coragem…reflete bem esta ‘angustia’ contemporânea…
Vera, querida, obrigado por seu feedback.
Tenho tentado expressar as angústias contemporâneas de alguma forma.
Que bom que te toquei. Abraço!!
É muito louco isso: não costumo me mostrar vulnerável por medo de ser julgada e excluída, mas foi justamente através da vulnerabilidade que consegui de fato criar alguns vínculos reais com as pessoas. Nos meus momentos mais vulneráveis, quando consegui deixar a vergonha de lado, consegui a empatia de pessoas que viraram grandes amigas, consegui me aproximar mais delas. Mas parece que tenho que estar sempre relembrando isso. Adorei o texto!
Olá, Isabel, obrigado pelo feedback.
Inclua-se, sempre.
Abraço!