A crise causada pelo coronavírus tem impactado os empregos, o bem-estar físico e mental e a economia mundial. Por outro lado, essa mesma crise provocou manifestações públicas de esperança – as pessoas se reuniram para cantar nas varandas e para bater palmas para os profissionais de saúde nas ruas, por exemplo. Comunidades estão unindo suas forças, com um aumento crescente do número de pessoas que fazem doações para bancos de alimentos locais e que cuidam de seus vizinhos e parentes idosos. [O otimismo militante aposta na esperança.]

De maneiras diversas, a pandemia mostrou também o quanto o otimismo e a esperança são capazes de dar as caras em tempos sombrios – e como, em alguns casos, isso pode até se tornar uma força para mudanças sociais. Uma pesquisa recente da consultoria britânica de estratégia BritainThinks mostrou que apenas 12% dos entrevistados querem que suas vidas tornem a ser “exatamente como eram antes”, quando a pandemia terminar.
ERNST BLOCH
A ideia de que viver de maneira otimista pode levar a mudanças benéficas no plano social foi uma filosofia chave do pensador alemão Ernst Bloch, conhecida como “otimismo militante”. Bloch propunha que o lado ativo da esperança é uma forma de compromisso social, que transforma essa mesma esperança em decisões e intervenções concretas.
O otimismo militante combate a ideia de que a História é o que acontece conosco, independentemente da nossa vontade. Em vez disso, Bloch mostrou que a História é o que todos nós realizamos ativamente todos os dias – portanto, ela pode ser tanto abordada quanto contestada e reescrita.
FILOSOFIA DA ESPERANÇA
Marxista, Ernst Bloch era visto como “o filósofo da esperança”. Seus textos reinventaram radicalmente a utopia, a religião e “o sonhar de olhos abertos”. Ele trabalhou tais conceitos como forças positivas para as mudanças sociais.
“O Princípio Esperança”, obra de Bloch em três volumes, publicada nos anos 1950, foi considerada pelo filósofo franco-brasileiro Michael Löwy como “um dos melhores trabalhos do século 20 sobre pensamento emancipatório”.

Sempre ao lado dos oprimidos e dos ‘derrotados’, a obra de Bloch é uma batalha contra o status quo. Ela ajuda a reativar possibilidades de justiça social ainda não realizadas. E a noção de “otimismo militante”, contida em “O Princípio Esperança”, pode fornecer alguns tópicos de reflexão sobre o que está ocorrendo no mundo de hoje.
ILUSÃO DE PROGRESSO
O otimismo militante não deve ser confundido com a crença de que “everything will be alright” (“tudo ficará bem”). Isto seria um “otimismo ingênuo”. Este, juntamente com a inquestionável fé na História e no progresso levam as pessoas, paradoxalmente, a aceitar a realidade como ela é e acreditar que não há alternativas – em vez de tentar mudar as coisas para melhor. O otimismo militante, ao lutar de maneira esperançosa, e ao mostrar o papel da ação e do trabalho humanos na mudança do curso da História, supera o pessimismo.
Tomemos o tempo presente como exemplo – com a pandemia, a degradação ambiental de antes, as desigualdades raciais, de classe e de gênero, a exploração gerada pelo capitalismo, as guerras em andamento e a desagregação de comunidades. Um pessimista olharia para o mundo que nos circunda e tentaria eliminar qualquer ilusão de progresso. No entanto, as recentes ondas de protestos antirracismo ou as lutas contínuas contra as desigualdades e a violência estatal em países como o Chile, por exemplo, mostram que não é bem assim.
ARMADILHA
O pessimismo pode implicar uma análise fria e lúcida dos erros, perdas e incertezas que nos cercam. No primeiro volume de “O Princípio Esperança”, Bloch observa algo diferente: “Pelo menos o pessimismo com perspectiva realística não ficou impotente diante de erros e catástrofes”.
Pensar de maneira pessimista, reflete Bloch, é mais realístico do que qualquer otimismo falso ou acrítico, do tipo que acredita cegamente que “vai dar tudo certo”. Porém, o pessimismo muitas vezes cai na mesma armadilha do otimismo ingênuo, na medida em que negligencia o papel ativo dos indivíduos humanos na História – até porque o mundo pode, de fato, ser mudado.

OTIMISMO E POLÍTICA
Nesse sentido, o otimismo militante pode nos ajudar a direcionar o que poderia parecer um sentimento individual e ingênuo de esperança em um conhecimento coletivo concreto e participativo de envolvimento da sociedade na realidade material ao seu redor.
É também verdade que o otimismo é sempre necessário, porque os resultados do engajamento social são incertos, na maioria das vezes. E, como Bloch pontuou, “a esperança pode ser decepcionante”.
O otimismo militante é uma força propulsora da ação humana e uma abertura real para novas possibilidades. Essa força envolve re-imaginar o que não aconteceu, em vez de se fixar nas derrotas do passado, como tem demonstrado a mobilização de milhões de pessoas contra o racismo mundo afora. Ou seja, o otimismo militante pode guiar e inspirar alguma libertação social. [O otimismo militante aposta na esperança.]
Publicado originalmente no The Conversation. Reproduzido aqui com autorização. Tradução: Sergio Vilas-Boas.
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