A perda de alguém ou de alguma coisa que não queríamos perder de jeito nenhum é (na maioria das vezes) para sempre e o processo de ter que enfrentá-la é complicadíssimo. Sim, a travessia pós-perda é uma dureza.

Em várias décadas, perdi coisas e, pior, pessoas. Algumas porque partiram para sempre. Outras porque achei que viveria melhor e por mais tempo sem elas por perto. Outras porque preferiram fazer história sem mim. E assim vamos. Porém, é novo para mim afrontar a perda de um animal.
Sei que você já leu mil textos de escritores chorando a morte de seus amigos de quatro patas (e essa frase em si é já um desastroso clichê), mas este post não é sobre a morte da Filó, minha gata (ela tinha 17 anos). É sobre as mudanças que a perda nos impõe. Quanto ao que senti, nem faço ideia de como expressá-lo (muito menos por escrito).
PARA SEMPRE, NUNCA
O que consigo afirmar é que durante quatro dias não encontrei nada que pudesse me confortar. Fiquei um pouco aéreo, trabalhando feito um louco e tentando inutilmente me entreter. O fato é que nada tinha sentido. Eu fazia e dizia coisas, mas era como se outra pessoa estivesse fazendo/dizendo, não eu.
Tinha plena consciência de que estava meio esquisito. No fundo, fingia (para mim mesmo) que nada havia mudado. Mas quer saber? O meu mundo ficara de cabeça para baixo, isto sim. É como se os objetos remanescentes da Filó pela casa estivessem me dizendo assim: “Arrá! Viu? Não te falei? Você nunca poderá ter alguém para sempre. Nunca”.
Lamento te dizer que esse horrível sentimento de impotência na verdade se aplica a todos os tipos de perda nos quais nada pode ser feito para que tudo volte volte a ser era como antes. Vale para a perda de um emprego cobiçado, de um(a) namorado(a), de um papagaio, um peixe, uma perspectiva, um lar.

ANOTE AÍ
A perda:
- é uma experiência universal;
- refere-se a alguém ou algo que você não queria perder de maneira nenhuma;
- e é tão absurda quanto uma violência.
E não tem filosofia, não tem religião, não tem filme, não tem livro, não tem amigo que resolva realmente o seu problema. A perda é sem solução. Perdeu, acabou. E como se não bastasse ter que acordar no dia seguinte e aceitar este fato desconcertante, a gente ainda tem de ocupar as lacunas deixadas pela perda.
Não se esqueça também do seguinte:
- ninguém sabe de antemão como enfrentar uma perda;
- você nunca estará 100% preparado para uma, mesmo tendo sofrido tantas;
- você terá que processar dentro de você a ausência/falta que ficou, caso contrário correrá o risco de perder-se também;
- não há mágica nem milagres nesse processamento;
- e dá um trabalho danado superar uma perda.

TRAGÉDIAS PESSOAIS
Fiquei pensando nas pessoas que conheço e que sofreram perdas realmente que as desestruturam (algumas nunca sobreviveram às suas tragédias pessoais). É até possível compreendermos a “lógica” que leva tanta gente a nunca mais saber o que fazer da própria vida depois de sofrer o duro golpe da perda de um amigo ou de um parente.
Por outro lado, se pensarmos bem, no início do início do início a gente não tinha apego a nada. Vivíamos lutando para não sermos engolidos por um animal maior do que nós. Mas nesse tal trajeto evolutivo tortuoso e confuso a gente aprendeu a amar. Isso mesmo: amar, sentir amor, e desde então passamos a acreditar que precisamos uns dos outros, o que é ótimo (em teoria, pelo menos).
O problema é que a perda desencaixa todas as peças (talvez possamos dizer o mesmo em relação à derrota, mas perda e derrota são experiências diferentes). Para superar uma perda precisamos assumir que a única coisa que realmente tem valor nesta vida é o sentimento que estamos verdadeiramente sentindo aqui agora, neste instante. Significa que fingir que está tudo bem só amplificará a sua dor.
APRENDIZADOS
A única boa notícia, no caso, supondo que haja uma, é que uma perda pode nos ensinar muita coisa, se realmente quisermos aprender com ela. Aliás, os aprendizados que adquirimos com uma perda estão entre os conhecimentos mais fundamentais da existência, desde os primórdios. Não por acaso você já se disse “nunca mais fui o mesmo depois que perdi…”.
Então, cada um tem de se virar como pode para enfrentar as suas perdas. Eu? Como me virei? Depois de uns quatro dias nebulosos, tirei uma folga, fui de encontro à natureza e busquei abrigo na música: coloquei “uns discos” para tocar; localizei minha canção favorita; repeti a tal canção dezenas de vezes; e, por fim, voltei a considerar a hipótese de continuar sonhando.

VOLTAR A RESPIRAR
Nada é para sempre. Nem mesmo o terrível sentimento de vazio causado pela perda. Então, se você por acaso estiver sofrendo com uma perda enquanto lê este texto, saiba que, pouco a pouco, as nuvens vão ficando mais brancas, mais leves e mais distantes do ponto onde você se encontra. Sim, você vai percebendo:
- que respirar é uma das suas principais habilidades como ser vivo;
- e que você sempre acaba encontrando um jeito de voltar a respirar normalmente.
Não, isso não resolve nada, concordo com você. Ser capaz de voltar a respirar normalmente não põe fim à possibilidade de você sofrer outra perda. A perda estará sempre à sua espreita, estará sempre pronta a lhe mostrar que o seu gigantesco mundinho pode ser derrubado de repente por forças que você simplesmente desconhece.
Agora, se você me perguntasse “e esse novo (auto)conhecimento que a gente adquire após ter sofrido uma perda tornará a nossa vida menos injusta?”. Well, não faço ideia! O que sei é que prefiro encarar todas a minhas perdas de modo shakespeariano , ou seja, “facing the facts, always”. E respirando. E respirando.
…
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Sérgio, bom dia! Fui aluna sua na primeira turma de Jornalismo Literário em São Paulo, acabei não concluindo a pós, mas continuei acompanhando suas escritas. Muito emocionante o texto de hoje, obrigada por dividir. Sinto muito pela perda de Filó. As perdas colocam as situações cotidianas na dimensão que têm de verdade. É uma passagem dolorida onde separamos inconscientemente o joio do trigo. E nos aproximamos de nós de uma maneira irreversível.
Um abraço!
Olá, Helga, obrigado por ter lido. Sim, as perdas elevam ao máximo o nosso senso de realidade. Abraço!