A depressão é uma doença sorrateira, sombria e difusa. Calcula-se que 10% da população mundial já a enfrentou pelo menos uma vez. Tem ocorrido em uma a cada cinco mulheres e em um a cada oito dez homens. Não são poucas as pessoas que sofrem de uma depressão ainda não diagnosticada ou que tomam antidepressivos sem estarem realmente deprimidas. Depressão e desilusão são duas faces da mesma moeda. Desilusão é a palavra chave para entendermos a doença e preveni-la.
O QUE É
A depressão é um transtorno mental que distorce a percepção da realidade. O indivíduo começa a sentir (consciente ou inconscientemente) que perdeu alguém ou alguma coisa imprescindível: uma pessoa querida, um emprego, um status, um sonho, uma certeza. As desilusões possíveis são infinitas. Pode-se perder algo mais subjetivo. Por exemplo: um ideal de perfeição ou uma fé inabalável. Deprime-se com a perda do que se tinha, mas também com a perda de “quem eu era”.
Apesar da ampla difusão de informações sobre a doença nos últimos anos, a cultura hedonista em que vivemos ainda tende a estigmatizá-la. Além disso, a maioria dos deprimidos tem dificuldade de expressar em palavras o que está vivendo. Do ponto de vista clínico, três fatores são consideráveis: a genética (a incidência de casos de doenças mentais na família); a maneira como fomos criados; e as condições existenciais no momento em que a depressão se instalou.
SINTOMAS (1)
Os sintomas principais são tristeza, menosprezo por si próprio e insensibilidade emocional. Tristeza quase sempre tem a ver com amor e apego. A perda de alguém ou de alguma coisa provoca tristeza naturalmente. Mas há a tristeza natural e a tristeza depressiva. Elas são diferentes. A tristeza natural, causada por uma infelicidade concreta, pode ser duríssima, mas é suportável e passa.
Isso é diferente na tristeza depressiva. A tristeza depressiva é aparentemente inexplicável, insuportável, amarga, permanente, ansiogênica, incapacitante e não vai embora sem tratamento. Na tristeza normal perdemos o que tínhamos (o objeto adorado), mas nossa psique se recompõe após o baque. Na tristeza depressiva, além do objeto adorado, perdemos nós mesmos. Perdemos o eu que acreditávamos fosse imune à infelicidade.
SINTOMAS (2)
O segundo sintoma principal é o menosprezo por si mesmo. A pessoa deprimida se desvaloriza com uma interminável e estéril ruminação. Rumina sua suposta mediocridade, os fracassos do passado e as dificuldades do presente. “Ninguém deveria acreditar em mim porque sou um(a) impostor(a).” Envergonhada de sua irrelevância, fecha-se em si mesma e se autodeprecia. Os deprimidos também sentem uma culpa injustificável. Culpam-se por tudo.
Essa culpa toda os faz sofrer ainda mais e os acomoda no sofrimento. “O sujeito vive o abandono, a humilhação ou a frustração como uma desgraça que o define, que o unifica e até lhe dá uma identidade”, escreve o psicanalista J.D. Nasio no livro “A Depressão é a Perda de Uma Ilusão”: “Isso é terrível para nós, clínicos, porque estamos diante de um paciente que não quer perder sua identidade de doente”.
SINTOMAS (3)
O terceiro sintoma principal é a insensibilidade emocional. A pessoa se desinteressa por tudo e não consegue sentir prazer nem empatia. Descuida de si, do parceiro, dos filhos, dos amigos, do lazer e do trabalho. Nada a surpreende ou comove. Não tem vontade de fazer nem prazer em fazer; e ignora o prazer de ter feito. Torna-se incapaz de saborear as pequenas felicidades contidas em atos simples, como comer, dormir e se divertir.
Em casos extremos, pacientes com esses três sintomas podem atingir o estado máximo da depressão, que é a melancolia, afirma Nasio. Nesses casos, os sintomas se intensificam ao máximo e o paciente é acometido por ideias delirantes de suicídio. “A melancolia é um delírio mortífero”, escreve, “uma doença extremamente grave que, nos momentos de crise, quase sempre requer hospitalização para impedir que indivíduo se mate”.
DISFUNÇÕES
Os três sintomas principais da depressão acarretam outras seis disfunções: 1) cansaço permanente; 2) as atividades cotidianas se tornam penosas e há uma desaceleração geral (lentidão de marcha, de pensamento e de fala); 3) dificuldade de se concentrar, de prever uma situação e de tomar decisões; 4) a pessoa fica se lembrando dos fracassos passados, mas não se recorda bem dos fatos recentes; 5) emagrece ou engorda sem explicação e tem sono demais ou nenhum sono.
Uma depressão evidente ocorre quando a tristeza ansiosa e carregada de rancor e autoódio domina a pessoa; quando a ruminação autodepreciativa coloniza sua alma; quando ela se desinteressa pelas atividades que antes lhe davam prazer; quando se sente inútil, fracassada e culpada por isso; quando ideias suicidas lhe atravessam a mente. Se esse estado torturante durar pelo menos duas semanas consecutivas e, paradoxalmente, a pessoa se acomodar nele, o diagnóstico é indiscutível.
(DES)ILUSÕES
Iludir-se é idealizar/fantasiar uma felicidade inabalável e depositar nela toda a razão de viver, fundindo o ser com o ter. “Quem sou” e “o que adoro” formam uma unidade indivisível. Quem se ilude nesses termos não tem consciência de que está se iludindo, e por isso aceita o irresistível convite de seu imaginário. O problema é que uma vida apoiada sobre um único pilar – e um pilar frágil, além de tudo –, pode desmoronar de repente.
A ilusão pode ser sadia ou tóxica. A ilusão sadia é uma vontade de melhorar, adaptando-se às circunstâncias da vida. Sofremos com a frustração, mas substituiremos a ilusão perdida por outra. A ilusão tóxica é outra história. O deprimido dominado por uma ilusão tóxica é uma espécie de drogado. A droga não é o álcool ou a cocaína. É o seu “eu invulnerável”. A crença por trás disso é: “amo, me sinto amado, sou feliz e estou no controle da situação”.
A REALIDADE
Sim, ilusão é desejo. Sim, desilusão é frustração. Mas somos feitos de sonhos e o risco de frustração é onipresente. Como não podemos existir sem desejos, sempre estaremos suscetíveis às desilusões. Um ideal de felicidade rígido e exagerado pode nos dar uma falsa sensação de conforto, solidez e proteção. Mas a ilusão tóxica é a bolha dentro da qual nos fechamos para não termos que encarar nossas fraquezas. Porém, em algum momento, o confronto com a realidade (dura) é inevitável.
Qualquer pessoa corre o risco de entrar em depressão? “Não!”, afirma Nasio: “Só ficará deprimida a pessoa que, tendo sido abandonada, maltratada ou abusada na infância, se tornou tão frágil e dependente do parceiro, da saúde ou do trabalho, por exemplo, que, se os perde, perde a ilusão infantil e estimulante daquilo que lhe é ‘maravilhoso’ e… deprime”. De qualquer forma, não é a perda em si que desencadeia a depressão, mas sim a maneira como a perda é sentida.
TIPOS DE ILUSÃO
As ilusões perdíveis são muito variadas (cada caso é um caso), mas geralmente giram em torno de perder uma pessoa querida e idolatrada, por morte ou separação; de perder a maravilhosa sensação de estar apaixonado(a), por traição ou decepção; de perder a saúde, por um diagnóstico médico ou por uma fixação hipocondríaca; de perder a juventude e a potência sexual. Podem causar depressão também a perda de um lugar, de uma casa, de uma carreira, enfim, de algo visto como “perfeito”.
Porém, de todos os objetos de amor, o mais precioso e delicado é o amor por nós mesmos, o amor-próprio. Nesse sentido, a ilusão de possuir um ego indestrutível também é bastante comum. Uma pessoa que não tolera nada que a remeta às suas fragilidades pode deprimir ao perder a crença em seu eu forte, corajoso, dominante e realizador. Claro que alguém assim, com um amor-próprio desmedido, no fundo pode estar tentando compensar uma autoestima baixa.
PESQUISAS E RECIDIVA
As pesquisas no campo da depressão avançam rapidamente. O que era válido vinte anos atrás, pode não ser mais válido hoje. Os antidepressivos estão cada vez mais toleráveis e eficazes e suas interações com ansiolíticos, mais conhecidas. Sabe-se também que um bom equilíbrio físico e emocional melhora nosso desempenho em quase todos os âmbitos da vida. E o mais importante: na esmagadora maioria dos casos, a depressão tem cura.
Mas não uma cura “para sempre”. O risco de recidiva é alto. Estudos indicam que após o primeiro episódio depressivo a probabilidade de deprimir de novo é de 50%; e que após dois episódios essa probabilidade sobe para 90%. Além disso, quando não tratada adequadamente, a doença tende a se manifestar com sintomas ainda mais agudos. A ampliação do autoconhecimento e a consciência da prevenção são fundamentais para evitar recaídas.
EXPERIÊNCIA
Em 1998, logo depois que me mudei de Belo Horizonte para São Paulo, enfrentei meu primeiro episódio de depressão, clinicamente falando. Na época, eu não sabia nada sobre a doença e minha capacidade de refletir sobre meus desconfortos e disfunções parecia embotada. Num crescendo, fui me sentindo a cada dia mais e mais esgotado, apático, insone, negativista e autodestrutivo. Me arrastava até o trabalho, meio aéreo, fingindo uma solidez improvável. Durante meses, lutei contra uma vontade profunda e desconcertante de “desaparecer”.
Procurei um psicanalista e iniciamos a terapia. Um ano depois, eu já era capaz de me situar dentro dos meus problemas, mas continuava sem energia vital para enfrentá-los. Fui encaminhado para um psiquiatra, que me receitou fluoxetina. Experimentei uma melhora rápida. Com o tempo (e muita terapia, e muitos altos e baixos), combati as causas principais: inseguranças e traumas de família, que danificaram seriamente minha autoestima, e a crença de que meu bem-estar geral dependia exclusivamente de um sucesso profissional constante e irrestrito, ou seja, ilusório.
AÇÕES PREVENTIVAS
Diversos fatores são considerados no estudo da depressão: características biológicas e genéticas; estilo de vida e rotinas; nível de autoestima; experiências passadas; relacionamentos interpessoais; as condições psicossociais em casa e no trabalho (grau de autonomia, relações com colegas e chefias, reconhecimento, remuneração, etc.). Ainda não é possível alterar a genética, mas podemos mudar nossa visão de mundo, cultura e hábitos para prevenir a depressão.
Importante lembrar que não deixamos de fazer coisas prazerosas porque deprimimos. É bem o contrário. Deprimimos porque deixamos de fazer essas coisas. Então, a principal diretriz para prevenir a depressão é continuar a extrair benefícios das atividades que dão prazer; valorizar a beleza, a alegria e o descanso; divertir-se, sozinho ou em companhia; permitir-se pequenas satisfações diárias. Para resistir à depressão, é preciso autocuidado, otimismo e gratidão também.