Pessoas inseguras são como automóveis girando pelo mundo com o freio de mão puxado. As inseguranças alimentam medos e vice-versa. Medo de expor-se, de desagradar, de conflitar. Medo da rejeição, da inadaptação, enfim, da “derrota”. Esses temores são causados em grande parte pela intensa cobrança familiar-social para que sejamos infalíveis, equilibrados, admirados, satisfeitos e gratos. [O foco deste artigo é a insegurança infundada (íntima), não aquela sociel, ancorada em dados empíricos.]

INSEGURANÇA INFUNDADA
A insegurança infundada não brota do nada. Trata-se de um processo mental individual provocado por uma cultura tóxica (dentro ou fora de casa). O fato é que, em algum momento, de alguma forma, alguém inculcou em você essa tua sensação de insuficiência. Quem? Pais, parentes, professores, companheiros(as), chefes, colegas, cada caso é um caso. Tua autoestima pode ter sido minada desde criança. O “algo” que te atingiu tempos atrás) é o que continua regendo a tua insegurança hoje.
O medo da insuficiência pode ser visto em duas dimensões: 1ª) Interior: atinge os que tomam (ou não tomam) decisões de acordo com o crítico interno, aquela voz implacável dentro da mente, que persegue e condiciona; 2ª) Exterior: atinge os que têm horror de receber críticas de pessoas específicas (ou de qualquer pessoa). Essas duas dimensões se confundem. O efeito, no entanto, é o mesmo: vereditos antecipados. Enquanto o juiz interno é unívoco, os juízes externos são multivocais.
Não é porque certas coisas são difíceis que nós não ousamos. É justamente porque não ousamos que tais coisas são difíceis
Sêneca (4 a.C.-65)
O LADO DE DENTRO
Em qualquer caso, estão em jogo o medo de se expor, o medo de um conflito ou ambos. Os fantasmas da rejeição e do abandono, no caso, estão a rondar, sempre. Psicoterapeutas de tendências diversas afirmam que os indivíduos submetidos à tal voz interior (o “inimigo interior”) tendem a se preocupar com as palavras que usam e com o visual; e são competentes, bem-sucedidos e admirados. Mas sentem-se insatisfatórios e preteridos. Síndrome do Impostor? Em alguns casos, sim.
Nem todo mundo tem consciência de quem é o poderoso inquisidor por trás de seus medos e fobias. Sentem-se julgadas por uma entidade genérica, oculta e inominável. De modo geral, são pessoas que acreditam que suas dificuldades (falar em público, por exemplo) são específicas e por isso devem ser resolvidas de maneira específica (fazer um curso para destravar). Quando essa tentativa de reparo não resolve, buscam ajuda psicológica.
AUTOENGANOS
Tendemos a observar/interpretar os acontecimentos com nossas crenças de sempre e as estratégias que funcionaram no passado. Nossa mente funciona assim. Também não é possível evitar completamente os autoenganos (afirmações falsas que fazemos a nosso respeito para não termos que enfrentar verdades dolorosas). Os autoenganos ajudam a formar a autoestima, e autoestima tem a ver com valor, e o valor que nos damos é decisivo para a saúde mental. Minimize os autoenganos.
Não podemos corrigir o passado. O que podemos fazer é intervir nas negativas consequências que o passado está provocando hoje. Até porque, com o tempo, o que gerou o script (o processo de formação do problema) lá atrás vai deixando de ter relação direta com as tuas dificuldades atuais. Mas é como se reiterássemos continuamente um roteiro redundante, que limita nosso desenvolvimento. São armadilhas psíquicas. A mais comum é subestimar ou superestimar pessoas, coisas e acontecimentos.

+ ARMADILHAS PSÍQUICAS
Outra armadilha é o “sinto, portanto é”. Você atribui qualidades a alguém ou a alguma coisa com base em sensações, não em verificação empírica. É como se estivesse usando óculos com lentes deformadoras, que te forçam a dar mais atenção aos dados que confirmam que você deve (ou não deve) pensar/fazer determinada coisa (especulação pura). O “sinto, portanto é” gera profecias autorrealizáveis (assumir como verdadeira uma previsão falsa, agir como se ela fosse verdadeira e assim concretizá-la).
Digamos que você não se sinta capaz de executar uma tarefa. Fará o possível para evitá-la. O resultado será mais ou menos previsível: além de ver confirmada a tua incapacidade, perderá uma boa chance de aprender algo novo. O que acontece depois? Você se sente ainda menos capaz. Outro exemplo? Você se acha pouco atraente (fisicamente). Em vez de agir para se sentir mais atraente, prefere a invisibilidade, escolhendo sempre um visual discreto e isolando-se. De novo a profecia autorrealizável.
BUMERANGUES
As armadilhas psíquicas também podem envolver ações (conscientes ou não). Reiteradas no tempo, essas ações contribuem para a construção de sistemas de vida rígidos, que criam um efeito bumerangue: voltam-se contra nós. Entre as tantas ações imediatas de combate à insegurança, a mais comum é o evitamento (evitar em vez de considerar/aceitar). A repetição do evitamento cristaliza a insegurança. Daí a querer evitar o inevitável é um passo.
Outra estratégia com efeito bumerangue é o controle excessivo. Querer ter certo controle sobre a vida é tão humano quanto inato. Na verdade, estamos falando de uma ilusão de controle, que, em si mesma, pode até ser saudável. Acreditar que tem algum controle nos ajuda, por exemplo, a traçar planos e definir objetivos. O problema é que o controle anda junto com o perfeccionismo. Então, quando a necessidade de controlar se transforma em busca por perfeição, os efeitos são venenosos.
REJEIÇÕES E INADEQUAÇÕES
O medo da rejeição é uma epidemia sobretudo entre os mais jovens, afirmam especialistas. Aqui, na Europa, cada vez mais crianças fazem o possível para não comparecerem às aulas porque se sentem rejeitadas pelos colegas. Não por bullying (assédio moral), mas porque o próprio estudante se exclui como tentativa de solucionar sua inadaptação ou para não ter que enfrentar a rejeição. Essa linha de defesa dá alívio imediato. O estudante passa a ser mesmo ignorado, mas a reintegração fica mais difícil.
E o sentimento de inadequação? Ele é crítico para quem o experimenta. Significa conviver diariamente com uma voz interior judicativa, severa e impiedosa. O sucesso vale zero e o insucesso vale o dobro. O pressuposto, certamente equivocado, é o de que o único modo de ser adequado é atingindo a perfeição em tudo. O mecanismo paradoxal é análogo àquele envolvido em outras inseguranças do tipo “não sou bom o suficiente”.

DIRETRIZES BÁSICAS
A insegurança infundada tem como causa principal a cultura da velocidade e da performance, que valoriza a quantidade em detrimento da qualidade. Então, em vez de se preocupar com “onde você está errando”, pergunte-se: quem escuto quando me ouço? Você pode estar reproduzindo ou se deixando levar pelos julgamentos negativos de uma pessoa (ou de um coro) muito presente hoje em tua vida; ou pode estar suscetível aos estragos que um parente ou amigo fizeram em tua autoestima anos atrás.
A geração mais tecnologicamente equipada da história humana é aquela mais assombrada por sentimentos de insegurança e desamparo.
Zygmunt Bauman (1925-2017), sociólogo
Outros pontos importantes: 1) a insegurança infundada se baseia no medo do que “vai acontecer”. Então, se você focar tuas ações mais no processo e menos no resultado, você reduzirá bastante a importância que você dá aos possíveis julgamentos. 2) manter um diário contribui para a organização dos pensamentos. 3) a ordem exterior – arrumações de armários, garagem, dispensa, etc. – produz ordem na tua mente. 4) considere que as pessoas não se importam com você tanto assim. [Leia também: “Nosso medo de fracassar”.]
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