Diante de uma ocorrência ambígua ou de difícil compreensão, muita gente se pergunta: quem tramou tudo isso? E ficam imaginando complôs para os pequenos e os grandes acontecimentos. A teoria da conspiração mais global e recente dizia que os chineses inventaram o Covid-19 para dominar o mundo. “A suscetibilidade às teorias da conspiração é consequência do modo como a nossa mente funciona”, diz Rob Brotherton em seu livro “Suspicious Minds”.
Redes sociais facilitaram a difusão de informações falsas e improváveis
Segundo ele, histórias improváveis não são criação apenas de gente que vai de uniforme (militar) camuflado em batismo ou que usa peruca feita de fios de papel alumínio: “A crença em maquinações é da natureza humana, não é coisa só de gente meio louca”. Não por acaso políticos de inteligência rasteira, mas maligna, como Bolsonaro e Trump, adoram inventar explicações malucas para suas incompetências. Sabem que seus seguidores cegos gostam de teorias conspiratórias e acreditam em qualquer história.
“DRIVE” UNIVERSAL
A área da psicologia que estuda o mecanismo da criação/absorção de teorias conspiratórias cresceu nos últimos anos. Mas algumas perguntas continuam sem resposta, como estas: como essa fé no “fantástico” se enraíza na mente? Por que algumas pessoas são mais suscetíveis que outras? O que se sabe com certeza é que, independentemente de idade, gênero, renda ou ideologia, nosso drive mental é propenso a especulações.
Características de personalidade, como paranoia, raciocínio binário e desconfiança generalizada facilitam a aceitação de narrativas tão aparentemente coerentes quanto inacreditáveis. Mas a história de vida também conta. Acreditar no que se quer acreditar satisfaz necessidades pessoais. Explicações aparentemente fantásticas para acontecimentos complicados podem: 1) ajudar a reforçar o que a pessoa já acredita; 2) passar aos viciados em certezas uma ideia de certeza.
SENSAÇÃO DE PODER
Crer em um complô engendrado por um indivíduo, uma nação ou um grupo político ajuda a camuflar o medo do futuro. No entanto, nem sempre isso se traduz em fome de explicação. Há também uma necessidade existencial por trás da paranoia, do maniqueísmo e da desconfiança: pensar que está no controle da situação. Nesse sentido, uma teoria da conspiração seria uma forma de adquirir conhecimento. E conhecimento é poder. “Você não entendeu a encrenca em que estamos metidos!”, dizem os adeptos desse tipo de distorção, fazendo com que a gente se sinta idiota por não termos sido capazes de “entender o verdadeiro enredo por trás de tudo”.
Adam Galinsky e Jennifer Whitson estudaram um grupo de universitários da Northwestern University. Descobriram que os estudantes que declararam estar vivendo (no período da pesquisa) uma situação da qual não tinham nenhum controle se mostraram mais crentes em “esquemas ilusórios”, estabeleceram correlações entre fenômenos não correlatos, inventaram superstições e até enxergaram figuras geométricas em um quadro branco repleto de pontos escuros marcados aleatoriamente. [Essa mesma tendência apareceu em um estudo com pessoas muito ansiosas.]
ILUSÃO DE PODER
A sensação de poder é a ponta do iceberg. O iceberg propriamente dito é a ilusão de possuir um conhecimento que a maioria das pessoas (supostamente) não possui. Há um quê de superioridade nesse comportamento, e isso reforça a autoestima do conspiracionista, segundo Rob Brotherton. A partir daí podemos afirmar que teorias conspiratórias geram uma sensação de conforto, na medida em que permitem ao conspiracionista culpar “o(s) outro(s)” pelos males do mundo, com a vantagem extra de se acharem acima da média por terem sido capazes de formular e difundir histórias impressionantes.
As redes sociais facilitam a circulação de mentiras e loucuras. Na prática, muitas pessoas razoavelmente instruídas se viram afundadas em crenças absurdas e negacionistas: a terra não é redonda; a escravidão no Brasil nunca existiu; a pandemia é uma invenção de comunistas; beber um copo de Coca-Cola equivale a beber 25 copos de água (risos). Atingimos um ponto dramático. O natural funcionamento da nossa mente, as circunstâncias de vida e esse contexto em que é cada vez mais difícil separar o joio do trigo propiciam a difusão de narrativas sem nexo.
DIVERSÃO E ARTE
Contudo, narrativas sem nexo não são completamente inúteis. Na melhor das hipóteses, elas servem ao humor, que normalmente se alimenta de exageros e fantasias. O filme “Borat: Fita de Cinema Seguinte” (2020), por exemplo, esculhamba o populismo neoconservador-criacionista que invadiu a política atual. Então, anote aí duas conclusões que podemos tirar do que escrevi até aqui: 1) O conspiracionismo ainda não foi abolido da nossa existência porque continua tendo alguma função (social, psíquica, humorística, etc.); 2) Teorias conspiratórias são uma forma de criatividade e, ao mesmo tempo, um desperdício de criatividade.
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