Vivemos uma era de turbulências, inquietações e mudanças rápidas. Os ambientes político, empresarial, profissional e individual se transformam continuamente e interferem na percepção do que significa felicidade e sucesso para cada um de nós. Todos os dias nos deparamos com circunstâncias novas que não tínhamos de enfrentar vinte anos atrás. Temos poder na ponta dos dedos, graças às tecnologias, mas hoje em dia precisamos resolver uma variedade muito maior de problemas (simples e complexos). Em um cenário assim o pensar analítico, muito valorizado por passar a ideia de frieza e exatidão, é insuficiente para dar conta da realidade. Mas temos à disposição um nível superior de processamento mental: o pensamento flexível-elástico.
DEMANDAS ATUAIS
Diante de tantas transformações e incertezas sempre renovadas, a gente precisa ser capaz: de nos acostumarmos às ambiguidades e contradições; de nos abrirmos para modelos e padrões novos; de descartar ideias muito confortáveis; de superar posturas rígidas; de reformular perguntas imprescindíveis; de abandonar suposições arraigadas; de confiar tanto na lógica quanto na imaginação; de integrar uma ampla variedade de ideias e conceitos; de tratar nossos erros e insucessos como aprendizados, não como condenações; e de explorar vias completamente diferentes.
No dia a dia, porém, a gente costuma ficar preso a pensamentos roteirizados (habituais, premeditados), úteis em situações rotineiras que dependam de um mesmo tipo de resposta, mas frustrantes em circunstâncias novas ou de mudança. Felizmente, a evolução da nossa espécie providenciou dois níveis de pensamento acima daquele que repete o script genético-familiar-social: 1) o pensamento analítico, baseado em fatos e razões, seguindo uma sequência ABC ou 1234; e 2) o pensamento flexível-elástico, mais adequado para os momentos de dificuldade, mas também para os momentos de prazer.
FLEXÍVEL-ELÁSTICO
Pensamento flexível-elástico é aquele que nos dá a capacidade de resolver novos problemas e de superar as barreiras neurais e psicológicas que nos impedem de enxergar o que está fora da ordem existente, escreveu o cientista Leonard Mlodinow em seu livro “Elástico” (Zahar). Em um cenário de inovações, argumenta Mlodinow, o emprego de variadas formas de pensar pode nos ajudar a enfrentar uma série de situações que não se resolvem com a conhecida busca pela “resposta certa”, baseada numa lógica elementar e ancorada no passado.
Nosso cérebro faz cálculos mentais mais ou menos como um computador, organizando, hierarquizando e processando as informações segundo as estruturas superiores de cognição. Os cientistas chamam isso de “processo de cima para baixo”. Porém, o cérebro também pode funcionar “de baixo para cima”, afirmam. Nesse caso, os neurônios disparam de forma complexa e sem direção a partir de uma demanda específica. Informações emocionais também são consideradas, no caso. Assim podemos gerar ideias que parecem “estranhas”, em comparação com as que temos se usamos o esquema linear.
O MITO DA AVERSÃO
Os ambientes físico, social e intelectual têm mudado num ritmo sem precedentes. O conhecimento científico, por exemplo, vem aumentando exponencialmente ao longo do tempo. Significa que precisamos acrescentar novos conhecimentos tão rapidamente que nenhum ser humano consegue acompanhar. Como se não bastassem as surpresas (positivas e negativas) que podem mudar a vida num instante, a gente tem de lidar com expansões de dados estratosféricas. E o que dizer da crença bem enraizada de que somos todos avessos a mudanças, por princípio?
Não é verdade. Depende de quais mudanças estivermos falando. Claro, é natural que a gente reaja mal a mudanças que resultem em maior risco de ser demitido, carga de trabalho maior, recompensa menor, transferência para lugares não desejados, fim do convívio com pessoas queridas ou mesmo uma simples alteração na pausa para almoço que vai te deixar com fome por uma hora a mais. Porém, tais comportamentos não são prova de aversão à mudança. Não. O novo e a mudança nos atraem muito. Isso se chama neofilia.
NEOFILIA
Em comparação com outras espécies, a espécie humana adora o novo e a mudança. Faz parte da nossa herança genética querer ultrapassar fronteiras, buscar novos territórios e encontrar novos recursos materiais e imateriais. Os outros mamíferos não fazem isso. A maioria de nós possui no temperamento uma boa dose de neofilia. As mesmas habilidades que nos salvaram da extinção 100 mil anos atrás ainda nos servem hoje. Em outras palavras, nossos genes nos ajudam a lidar com as demandas, os valores e os ideais de uma sociedade hiper tecnológica. E vice-versa.
Exemplo: não precisamos mais esperar as pessoas morrerem para investigar o que há dentro da cabeça delas. A tecnologia nos proporcionou meios de estudar o cérebro enquanto elas estão vivas. Isso contribuiu para a criação do novo campo da neurociência cognitiva, o estudo de como pensamos e de como o cérebro produz o pensar. O fato é que a atividade mental que cria produtos e serviços com foco na recompensa em dinheiro é a mesma que cria teorias e artes por puro deleite. O pensamento flexível-elástico, portanto, não é um sistema à parte ou focal. Ele existe (mais ou menos ativo) dentro de nós e tem múltiplas finalidades.
O QUE É “PENSAMENTO”?
Os livros sobre neurociência mais ou menos respondem a essa pergunta assim: pensamento é o ato de observar, identificar e fornecer respostas significativas a estímulos; e caracteriza-se pela capacidade de gerar ideias encadeadas, sendo muitas delas totalmente novas. O que chamamos de pensar não é uma necessidade para a maioria dos animais. No reino animal, pensar é exceção, não regra. Os animais têm vidas padronizadas e se dão muito bem agindo como autômatos. Podemos dizer o mesmo de nós, humanos?
Considere as situações em que você se sente refém de problemas complicados. Considere as convicções negativas que você nutre sobre o teu potencial de realização e sobre o teu modo de ser. Você diz, por exemplo: “Tocar piano não é para mim”, “sou nulo em matemática”, “não posso crescer na carreira porque fiquei obsoleto”, “impossível encontrar emprego noutro setor”, e por aí vai. Pensamentos assim geralmente começam a se formar em nós na infância ou depois do primeiro insucesso, reforçando a nossa suposta inaptidão. Baseia-se na ilusão de que determinadas personalidades e determinadas competências são inatas.
MENTALIDADE ESTÁTICA
A pesquisadora e escritora Carol Dweck, da Universidade Stanford, que por décadas estudou os fatores que favorecem a nossa capacidade de realização/satisfação, cunhou a expressão “mentalidade estática” para descrever uma disposição psicológica de fundo que influencia nossa visão de mundo e nossas atitudes cotidianas. Uma pessoa com essa disposição mental tendem a acreditar que inteligência, capacidade, criatividade e habilidade física são traços inatos e imutáveis. Convencem-se de que o talento e/ou a sorte explicam tanto o sucesso quanto o insucesso.
Essa visão restritiva coloca nas costas dessas pessoas um peso extra insuportável. Diante de qualquer obstáculo, elas ou rejeitam o desafio – por não terem “o que é preciso ter” – ou ficam paralisadas. Outra consequência negativa da mentalidade estática é sentir pressão constante para vencer sempre. Para essas pessoas, a performance é reflexo direto de suas personalidades. Para se darem valor, precisam provar que são inteligentes e eficazes. O medo de falhar é tão agudo que deixam aberto o caminho para espirais de ansiedade que não por acaso levam a depressões.
ÂMBITO COLETIVO
A mentalidade estática tem impactos no âmbito coletivo também. Em um estudo publicado em 2014, Carol Dweck entrevistou empregados de sete grandes empresas americanas sobre a forma mentis (mindset) predominante no ambiente de trabalho e suas consequências. Os empregados tinham que indicar, por exemplo, o quanto concordavam com afirmações como esta: “Quando se trata de atingir um objetivo, a empresa em que trabalho parece considerar as pessoas como dotadas ou não de talento, e não há muito que se possa fazer para mudar isso”.
A afirmação acima é típica de uma mentalidade estática. O resultado da pesquisa? Este: empresas que promovem esse tipo de pensamento são vistas pelos empregados como “pouco inovadoras”. Como consequência, as pessoas se sentem menos comprometidas com o que fazem, menos encorajadas a assumir riscos e convivem diariamente com equívocos ou mesmo fraudes, em comparação com organizações mais abertas e flexíveis. Ou seja, uma empresa que valoriza talento em detrimento do esforço cria uma cultura interna indiferente à colaboração e à inovação.
MENTALIDADE DINÂMICA
Como escapar dessa disposição psicológica que paralisa processos e causa angústias? Carol Dweck expôs em seus estudos uma segunda forma mentis da qual podemos extrair mais vantagens do que desvantagens: a mentalidade dinâmica. Pessoas com mentalidade dinâmica acreditam que suas próprias capacidades podem evoluir e melhorar graças ao empenho e à perseverança. Tendem a encarar uma situação complicada ou um fracasso como um revés transitório e/ou como uma oportunidade de crescimento pessoal. É essa atitude, aliás, que as faz redobrar os esforços.
Em vez de se desencorajarem ou se deixarem paralisar por eventuais derrotas, indivíduos com mentalidade dinâmica aprendem, mudam, tentam de novo, insistem. Essa diferença de reação foi demonstrada cientificamente. Em 2011 Jason Moser e colegas da Universidade de Michigan descobriram que pessoas com mentalidade dinâmica apresentam um certo sinal elétrico cerebral mais intenso (esse sinal está associado à tomada de consciência dos próprios erros e à energia empregada para reelaborar processos). São também mais rápidas em corrigir rotas e mudar enfoques.
PONDERAÇÕES
Importante sublinhar: 1) não existe uma fronteira clara entre as mentalidades estática e dinâmica; 2) uma mentalidade nunca é somente estática ou somente dinâmica (passamos de uma para outra conforme o contexto); 3) a mentalidade dinâmica não é garantia de que você vai atingir todos os teus objetivos ou de que você será “o melhor”; 4) uma mentalidade mais dinâmica, porém, permite que você expresse ao máximo o teu potencial, aperfeiçoa as tuas competências, te mantém aberto a novas oportunidades e te ajuda a enfrentar as dificuldades da vida de uma maneira construtiva.
Mentalidade dinâmica e pensamento flexível-elástico são conceitos muito parecidos, no meu entendimento. Sendo assim, é importante lembrarmos também que todo indivíduo, em tese, é capaz de seguir roteiros fixos (automáticos), de pensar analiticamente (racional-linear) e de pensar de maneira prospectiva/criativa (elástica). O primeiro passo para melhorar tanto o pensamento analítico quanto o flexível, segundo Leonard Mlodinow, é a gente estar consciente de quando utilizamos roteiros automáticos (nível superficial do pensar) para podermos descartá-los quando tais roteiros não forem úteis.
GRANDE IRONIA
“Os avanços tecnológicos que tornam o pensamento flexível-elástico cada vez mais essencial também reduzem a possibilidade de nos envolvermos nele”, escreve Mlodinow: “E assim, se quisermos exercitar o pensamento flexível exigido pelo ritmo acelerado do nosso tempo, precisamos lutar contras as constantes intrusões e desconcentrações e encontrar ilhas de tempo para nos desligarmos. Nos últimos anos essa questão se tornou tão urgente que de repente deu origem a um campo relativamente novo, chamado ecopsicologia”.
Os ecopsicólogos ainda estão reunindo evidências científicas para suas hipóteses, mas suas recomendações, embora aparentemente simples, são relevantes: dedicar tempo à quietude; procurar atividades como correr ou tomar uma ducha em momentos de sobrecarga mental; caminhadas na natureza para restaurar a capacidade de reflexão; acordar mais cedo só para ficar na cama por alguns minutos olhando para o teto, curtindo a cama e relaxando antes de encarar o dia. O importante, no entanto, é a gente tirar proveito da neuroplasticidade de cérebro. Como? Nos engajando em propostas, ideias e atividades inusitadas. Isso gera milhões de novas conexões neurais e amplia a nossa capacidade de solucionar problemas e ter mais prazer em viver.