Duas certezas indiscutíveis no campo da saúde (física, mental e social): 1) o estresse causa doenças; 2) o número de pessoas em processo de esgotamento não para de aumentar. Excesso de tarefas e medo de fracassar são as principais dificuldades dos estressados crônicos. O estresse é reflexo também do capitalismo doentio, que nos obriga a conviver com correria, violência, insegurança, políticos perversos, polarizações, fake news, eliminação de postos de trabalho e caos climático. Controlar o estresse é possível, apesar de não podermos erradicá-lo completamente da nossa existência.

O que é estresse?
É uma reação natural do organismo que ocorre quando vivenciamos situações de perigo ou ameaça. Esse mecanismo nos coloca em estado de alerta ou alarme, provocando alterações físicas e emocionais. Podem causar estresse a irritação, o medo, o desconforto, a preocupação, a frustração, a indignação, enfim, qualquer situação com potencial para nos tirar da nossa “zona de conforto”. A reação ao estresse é biológica e necessária para a adaptação às situações novas.
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TRÊS PERGUNTAS
A percepção do estresse é importante, porque nem todo mundo que está sob algum tipo de pressão sente-se estressado. Para saber se você se sente estressado(a), responda a estas três perguntas: 1) acha que tem coisas demais para fazer? 2) acredita que recebe mais demandas do que é capaz de atender? 3) tem medo de não conseguir concluir todas as tuas atividades de hoje e de amanhã? As respostas podem ser: nunca, quase nunca, frequentemente e quase sempre.
Se respondeu “frequentemente” e/ou “quase sempre”, sim, você se sente estressado. Mas, para verificar se você está enfrentando situações estressantes, é preciso medir os teus níveis de cortisol. O cortisol (como a adrenalina) é liberado pelas glândulas suprarrenais nos momentos de pressão. A adrenalina é liberada segundos após o estímulo. Pode provocar taquicardia e suor nas mãos, por exemplo, mas os efeitos duram poucos minutos e não danificam o organismo. Com o cortisol é diferente.
CORTISOL E DESAFIOS
O cortisol é liberado de vinte a trinta minutos após o estímulo estressante e não provoca sensações específicas. No entanto, sua liberação aumenta a glicemia (de modo que o cérebro possa ser reabastecido de energia), bloqueia a digestão e inibe o sistema imunológico. Toda a tua energia passa a ser usada para lidar com a situação estressante. Esse efeito pode durar horas. Se o fator estressante persistir, pior, porque aí os níveis de cortisol se manterão elevados por mais tempo ainda.
Apelidado de “hormônio do estresse”, o cortisol tem funções importantes, como equilibrar o sistema imunológico e regular o metabolismo, o humor, a motivação e o medo. Sabe-se que o excesso de cortisol e de estresse pode levar à exaustão. Por outro lado, cortisol muito baixo pode causar fadiga e inércia. Já que uma vida 100% livre de estresse é impossível, o ideal é você ajudar teu organismo a encontrar um equilíbrio nos níveis de cortisol.
MARCADORES E TSST
Como medir o cortisol? Em 1993, Clemens Kirschbaum, um dos principais pesquisadores europeus do estresse, desenvolveu na Universidade de Trier, Alemanha, o Trier Social Stress Test (TSST). Para criar esse medidor, Kirschbaum e colegas superaram uma dificuldade histórica nesse âmbito de pesquisa: induzir o estresse nos participantes do estudo. No passado, essa indução era feita com eletrochoques ou mergulhando os pés das pessoas em água gelada, por exemplo.
Controversos e pouco confiáveis, esses procedimentos não elevavam o nível cortisol em todos as pessoas pesquisadas. Kirschbaum inventou então uma espécie de “entrevista de emprego” em que os pesquisados tinham cinco minutos para falar de si mesmos a dois examinadores impassíveis e nada encorajadores. Ao final, coletavam-se fios de cabelo dos participantes para serem analisados em laboratório e verificar o nível de cortisol.

EXPECTATIVAS E JULGAMENTOS
Com o TSST, várias descobertas foram possíveis. Descobriu-se, por exemplo, que: 1) pessoas muito ansiosas liberam maior quantidade de cortisol em comparação com extrovertidos que têm autoestima elevada. 2) quem percebe a situação estressante como desafio libera menos cortisol do que quem a vê como ameaça. Encarar o fator estressante como desafio, em vez de ameaça, é algo que se pode aprender e exercitar. Ou seja, é uma variável na qual podemos intervir.
Mas o mais interessante é o fato de o TSST ter revelado uma relação bem direta entre estresse e expectativas sociais. Se pensarmos bem, o estresse, de certa forma, é também um constructo social. Frequentemente, a gente se estressa ao pensarmos que não conseguiremos cumprir um prazo e que por isso seremos julgados como insuficientes, incompetentes, fracassados, problemáticos, etc. Com uma reação mental desse tipo, os níveis de cortisol tendem a aumentar muito.
PROBLEMA CONTÍNUO
Segundo Kirschbaum, o estresse pode ter um efeito positivo se ocorrer apenas por breves períodos (estresse agudo, não crônico). Em termos evolutivos, é importante termos que decidir entre “atacar ou fugir”, como nos tempos em que éramos caçadores-coletores nas florestas. Mobilizar todos os nossos recursos físicos e psíquicos nos permitia salvar a própria pele em situações de alto risco. Mas, uma vez superado o perigo, o cortisol era eliminado do organismo e a vida seguia seu curso.
Voltando aos termos atuais. Se os estressores persistirem ou se renovarem continuamente – e se surgirem pensamentos obsessivos de insegurança (“não aguento mais”, “isso não está ao meu alcance”, “não vou conseguir”, etc.) –, o organismo não consegue se recuperar. Em situações de estresse agudo, os níveis de cortisol estarão sempre altos. A não eliminação do cortisol torna ainda mais difícil o controle do problema (até porque o próprio estresse gera estresse).
Algumas causas comuns de estresse
dificuldades financeiras; problemas no trabalho; insegurança e baixa autoestima; questões familiares; relacionamentos complicados; dificuldade escolar/acadêmica; alterações do humor, principalmente ansiedade e depressão; perda de pessoa querida; ter que tomar uma decisão crucial; eventos traumáticos; sobrecarga.
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AFETOS E PROTETORES
O estresse pode nos deixar com um nó na garganta, tirar o sono e causar problemas intestinais e cardiovasculares. Para milhões de estressados, todo dia é dia de apagar incêndios. Suas vidas se resumem a uma série infinita de grandes e pequenas urgências. Nesse contexto, meditação e detox digital ajudam, mas não bastam para eliminar inseguranças e medos. Onipresente em nossas vidas, o estresse é mais difícil de combater do que imaginamos e não existem fórmulas mágicas.
Tentar eliminar completamente da vida os fatores estressantes é uma tarefa ilusória (e estressante em si mesma). Mas é possível alterar a sensação de estar estressado. Especialistas são unânimes em afirmar que as melhores sugestões para combater o estresse são as mais simples: alimentação saudável, atividade física, dormir bem e reduzir o consumo de cafeína e álcool. Mas existe um quinto fator que talvez seja decisivo: afeto. Receber afeto (ter relacionamentos significativos) nos protege do estresse, afirmam pesquisadores.

RELACIONAMENTOS
Relacionamentos relevantes precisam ser cultivados ao longo da vida. Os relacionamentos nos ajudam a suportar o estresse ou mesmo a superá-lo. Um(a) companheiro(a) empático(a) ou um(a) amigo(a) disponível para nos escutar depois de uma longa e dura jornada de trabalho é um recurso valioso. O intercâmbio de afetos é remédio. Um remédio grátis, além de tudo. Por outro lado, é um remédio que você não tem como comprar, mesmo se tiver todo o dinheiro do mundo.
COMO EU LIDO COM O ESTRESSE
- tento administrar minhas atividades, estabelecendo prioridades, eliminando tarefas inúteis e automáticas e evitando a todo custo a procrastinação.
- digo “não” sempre que necessário e possível.
- fujo de problemas que não são meus.
- evito o perfeccionismo e a ilusão de uma vida “feliz o tempo todo”.
- alimentação equilibrada, com pouca gordura e açúcar, evitando alimentos ultraprocessados.
- quando invadido por maus pensamentos, direciono minha atenção para a minha respiração.
- por falar em respiração, pratico mindfulness. Pesquisadores são unânimes em afirmar que mindfulness é um recurso eficaz, se praticado diariamente.
- reservo tempo para atividades que me dão prazer e me relaxam, como andar de bicicleta, fazer caminhadas em parques, ouvir música, ler livros e assistir a filmes e seriados, por exemplo.
- tento ir para a cama (e acordar) todos os dias mais ou menos no mesmo horário, sem telas de computadores ou celulares por perto.
- reduzo ao máximo o tempo que passo em redes sociais.
- valorizo o silêncio e a contemplação.
- reitero mentalmente as coisas e as pessoas importantes ma minha vida e expresso gratidão.
- persisto na busca por um estilo de vida menos acelerado e sem grandes sobrecargas (embora uma vida 100% livre de estresse seja impossível, indesejável ou mesmo chatíssima).
- apesar de ser introvertido, busco a companhia de amigos e amigas (o isolamento piora o estresse).
- se nada disso funcionar, terei de conviver com as emoções negativas decorrentes do estresse e que assim seja.
Leia tamabém: “Cabeça cheia se esgota fácil“.